terça-feira, maio 24, 2011

CRISTOLOGIA VICÁRIA: O SIGNIFICADO POLÍTICO E TEOLÓGICO DA MORTE DE JESUS

Tendo em vista a extensão, esse texto será publicado em 03 partes (Parte 01)

“Estamos habituados a entender a morte de Jesus conforme os relatos da paixão no-la referem. Aí aparece claro que sua morte foi por nossos pecados, que ela correspondia às profecias do Antigo Testamento e que realizava parte da missão divina confiada a Jesus pelo Pai e que isso era necessário ao plano salvífico de Deus. Estas interpretações realça~m a verdade transcendente da entrega total de Deus, mas podem nos induzir numa falsa conpreensão do verdadeiro caráter histórico do destino fatal de Jesus” (Leonardo Boff)
DEVEMOS RECONHECER AS DIFICULDADES de abordar um tema que envolve discutir o significado social, político e teológico da morte de Jesus. Primeiro pelas ambigüidades das fontes que tratam do assunto; e em segundo lugar pelo pluralismo teológico-doutrinário que envolve; devido às diversas abordagens a que o assunto tem sido submetido.
A Formulação de conceitos estabelecidos a priori (pré-conceitos) dogmatizaram e cristalizaram a questão, limitando o horizonte a ser pensado no que respeita às razões que levaram Jesus de Nazaré à cruz.
Não temos a pretensão ser canônicos ou dogmáticos; de forma que respeitando as opiniões em contrário (e é importante que elas existam), propomos uma análise dos conceitos e imagens que envolveram a morte de Jesus no período pós-pascal. Não pretendemos fechar a questão sobre o tema, pelo contrário desejamos abrir o debate para aprofundar a discussão em busca de verdades que apesar de terem sido historicamente relegadas como heréticas, possam lançar luz sobre o REAL SIGNIFICADO DA MORTE DE JESUS.
OS FUNDAMENTOS SOCIOLÓGICOS DA CRISTOLOGIA VICÁRIA
Em seu dilema para entender a tragédia que se abateu sobre a comunidade dos primeiros discípulos com a morte de Jesus, a igreja terminou por interpretar essa morte como sacrifício expiatório por nossos pecados, refletindo concepções religiosas cristalizadas no judaísmo e presentes na soteriologia do primeiro século. Encontrar uma explicação para essa morte trágica, esse foi o grande desafio dos discípulos; como entender que o Cristo pudesse morrer numa cruz? Exatamente uma morte reservada para os malditos? A resposta veio da leitura do Antigo Testamento, segundo eles, era necessário que o cristo morresse para expiar o pecado da humanidade, assim através do uso de vaticínios ex eventos, formulou-se a teologia segundo a qual a morte de Jesus é morte vicária, substitutiva segundo os eternos decretos de Deus.
O próprio Jesus manifestou em seu ministério terreno, forte convicção de está cumprindo a vontade do Pai; más qual era a vontade do Pai? A sua morte ou a obediência até a morte (fil. 4) ou inda que na morte? Teria sido Jesus pré-destinado na eternidade para morrer para assim, atender aos desígnios de do Pai? Até que ponto a morte de Jesus foi plano de condição para a salvação da humanidade.
A pregação de Jesus foi um convite ao arrependimento como condição para a salvação: “Arrependei-vos e crede no evangelho” (Mc 1:15), Ora se a salvação se processa pela morte, qual o objetivo de Jesus ao chamar o homem ao arrependimento se ele ainda não havia morrido? As tipologias presentes na pregação de Jesus e a sua identificação com elementos do culto e da vida do povo de Israel (caminho videira, pão, água, luz cordeiro) não devem ser interpretadas de forma literal, elas são representações tipológicas, símbolos e metáforas do seu ministério profético, identificar Jesus com o cordeiro que deve ser morto desprezando as demais imagens, como pão, água, etc, é fazer uma exegese arbitrária do texto Bíblico. Para entendermos a morte e a ressurreição de Jesus e o seu real significado no processo de salvação do homem; precisamos olhar não somente para a cruz (estaurologia), mas especialmente para a sua vida, para o ambiente histórico no qual ele estava inserido e no meio do qual desempenhou a sua missão
A MORTE DE JESUS COMO RESULTADO DE SUA ATUAÇÃO HISTÓRICA.
Embora tenha sido compreendida dentro da moldura da morte sacrificial expiatória, portanto, indispensável ao processo soteriológico, no entanto, é preciso entender que a morte não foi o alvo e sim o último obstáculo no caminho da salvação proposta na missão de Jesus.
Desde a antiguidade, Deus enviou seus mensageiros aos homens (Moisés, Elias e demais profetas) com a missão de anunciar as boas novas de perdão. A morte dos enviados (a exemplo de João o Batista) e finalmente do Filho, não fazia parte dos planos do Pai. Podemos dizer que a morte de Jesus foi uma consequência de sua atuação histórica. Para Leonardo Boff, a morte de Jesus não é uma necessidade metafísica, foi consequência de um conflito e o termo de uma condenação judicial, portanto da decisão e do exercício da liberdade. “A pessoa histórica de Jesus atraiu sobre si a condenação ao criticar as estruturas alienantes o seu tempo, ao defender os homens contra as absolutizações da religião judaica, afirmando valores novos para a salvação, diferentes daqueles “possíveis”. Para Jesus, não se pode amar e servir a deus a não ser no próximo em quem deus está presente de forma anônima. Além disso, a aceitação de Jesus entre as camadas mais pobres da sociedade causava preocupações entre as autoridades, provocando inveja e indisposição uma vez que a crítica social e religiosa de Jesus atingia os mais influentes entre o povo, entre eles, os sacerdotes, os escribas e Herodes. Sobre esse conflito, o Apóstolo João registra as palavras das autoridades religiosas judaicas: “Se deixarmos assim todos crerão nele, virão os romanos e destruirão nosso lugar santo e a nação” (João 11:48)
JESUS UM HEREGE LIBERAL
É preciso destacar ainda que dentre outras razões que levaram Jesus à morte a sua atitude liberal diante das estruturas religiosas de seu tempo. Mesmo sem uma ordenação formal (profética sacerdotal ou rabínica) Jesus ensinou de forma livre, sem os casuísmos aplicados à interpretação da Lei, quebrando paradigmas e proibições legais e tolerando em sua companhia pessoas consideradas impuras; publicanos, pecadores, leprosos, enfermos, prostitutas, etc, rompendo com a estratificação instituída, atraindo sobre si toda sorte de críticas de seus opositores (mat. 11:19; Luc. 7: 39; c? 2:16. Devemos acrescentar ainda que Jesus falava de Deus em palavras e gestos considerados como blasfemos (Mc 2:7); tais atitudes provocaram uma ruptura dentro do sistema, levando os homens a decidir pro ou contra ele. Podemos dizer então que: formalismos religiosos, desejo de poder e de manter privilégios assegurados foram os motivos principais que levaram os inimigos de Jesus a se unirem contra ele, conduzindo-o à morte na cruz. Em outras palavras, as autoridades religiosas judaicas não podiam tolerar que as idéias heréticas pregadas por um jovem liberal fossem ensinadas ao povo, isso representava um perigo para a correta interpretação da Lei. Transformar a morte de Jesus em uma trama a-histórica travada nas regiões celestes pela qual alguém deveria ser sacrificado para salvar os homens, não se coaduna com a realidade extraída dos relatos bíblicos.

Palestra proferida no SETBAL durante o Seminário sobre Cristologia.
Nota: As citações não trazem referencia a obras e páginas elas remetem aos livros indicados de cada autor. O texto preservou a informalidade inerente a uma palestra.
Para continuar o debate:
DUCQUOC, C.H.. Cristologia: O Messias. Ensaio Dogmático, Vozes
DOYON, J. Cristologia Para o Nosso Tempo, Paulinas
BOFF, Leonardo, Jesus Cristo o Libertador, Ensaio de Cristologia Crítica, Vozes
BOFF, Leonardo. Teologia do Cativeiro e da Libertação, Vozes
BULTMANN, Rudolf. Jesus Cristo e Mitologia. Fonte editorial
SANDER, Luis Marcos. Jesus o Libertador, A Cristologia de Leonardo Boff, Vozes.
CRABTREE, A.R. Teologia do Velho Testamento, Juerp.
GOPPELT, Leonardo. Teologia do Novo Testamento- Sinodal/Vozes

PARA CONTINUAR LENDO ESSE TEXTO, CICK AQUI:


Leia Mais…