sexta-feira, dezembro 23, 2011

O SAGRADO CAMALEÔNICO



  "Crenças são correntes lacrando grandes portas” (Fábio Ibrahim El Khoury)


A teologia sistemática concebe Deus como um ser imutável e até certo ponto estático. Atualmente tenho pensado na possibilidade de ser a dinâmica, a mudança, a metamorfose mais adequada para entender a divindade. Depois de tantos anos pensando Deus a partir da estática, vamos ver o que dá pensar um Deus a partir da dinâmica, da mutabilidade.

Mesmo sabendo que isso possa parecer um insulto à santidade de Deus, para aqueles que só são capazes de conceber Deus a partir de uma metafísica desvinculada da concretude da realidade, mesmo assim vou utilizar a figura do camaleão para tentar descrever outras facetas da metamorfose divina. A simbologia africana, apresenta o camaleão como um animal sagrado, e como criador dos primeiros homens. Do ponto de vista biológico, ele é um réptil conhecido pela capacidade de mudar a sua cor para se adaptar ao ambiente ou a uma determinada situação.

Considerando que a existência de Deus do ponto de vista da ontologia não pode ser objeto de verificação, o agnosticismo passa a servir ao debate. Tudo que falamos de Deus como diria Thomás de Aquino não passa de analogias, não se refere ao ser enquanto ser.

Acho que podemos pensar a divindade partindo da contribuição de Pierre Teilhard Chardin. Ele ousou pensar Deus numa perspectiva evolutiva, ou seja, a partir da mutação, já que ele não pode (ou pelo menos não deve) ser um ser  estranho ao universo do qual ele é o fundamento.  Sobre as teologias, acredito que o próprio termo já traz consigo o germe da impropriedade, já que não se faz Teo-Logia. O que fazemos é na verdade não passa de Teantropologia, ou seja, falamos de Deus a partir de nós mesmos. Ou mais ainda, a teologia não é a ciência ou o campo do conhecimento que se ocupa de Deus, como pode sugerir  a expressão Teo-Logia, já que Deus em si mesmo não pode ser objeto de estuso.

Sobre a imagem de Deus, acredito que o panteísmo seja a forma mais interessante de pensar a divindade. Acredito que Deus seja a junção de muitas coisas que se manifestam no universo, e quem sabe, o ser humano seja parte disso tudo também. Acredito que Espinosa tinha razão quando defendeu que Deus e Natureza eram dois nomes para a mesma realidade. Creio que as imagens de Deus construídas pelo judaísmo a partir de uma compreensão mais concreta, ou seja, um deus antropomórfico, personificado e distinto do universo, produto das limitações da língua hebraica que em tese não era dada a abstrações, precisam passar por uma re-visão de forma a se aproximar da cosmovisão moderna.

certa vez, quando perguntado se acreditava em Deus, Albert Einstein respondeu: "Acredito no Deus de Espinosa, que se revela na harmonia ordeira daquilo que existe, e não num Deus que se interesse pelo destino e pelos atos dos seres humanos."
 
A mitologia Grega desenvolveu a figura do deus marinho Proteu, uma figura metamorfósica que apesar de assumir diversas aparências, não precisava mudar a sua essência. Gosto dessa idéia, a de que a metamorfose em Deus não implique necessariamente em mudanças na sua estrutura, se é que se pode dizer que ele tenha uma estrutura fixa. Será que Deus não se caracteriza exatamente pela mobilidade? ou seja, pela dinâmica tão presente no universo? Nietzsche dizia não acreditar em "um deus que não soubesse dançar" eu me arriscaria a dizer não ser possível acreditar em um Deus incapaz de mudanças. Acreditar que Deus não pode mudar não seria acreditar numa limitação à divindade? O que significaria uma impossibilidade para aquele que em tese pode todas as coisas? Não representa uma negação da onipotência divina? 

Esse argumento nos remete à dúvida escolástica: "Deus pode fazer uma pedra que ele mesmo não consiga carregar?" Essa premissa embora aparentemente estapafúrdia e desconexa se apresenta como uma encruzilhada, um gargalo no caminho da afirmação da onipotência divina. 

Como disse, penso num tipo de mudança que seja capaz de manter os elementos originais inerentes ao ser. Mudar não para ser outra coisa e sim a mesma coisa com novas características.

Concordo com Paulo Nascimento ao concber o ser a partir da "mutação constante, do "tudo flui" e em especial da sua opinião de que o ver o Ser como "constante devir e movimento: metamorfose pura". A sua resistência de muitos para aceitar uma possível mutabilidade em Deus se justifica pelo fato de encarar a mutabilidade como perda de características existentes para adquirir outras até então inexistentes. Acontece que essa verdade se aplica à realidade material, aos seres, não tendo que necessariamente ser verdade em relação ao Ser Sagrado. Aquela velha história de ser Jesus o Homem-Deus, que "se torna Homem" sem deixar de ser divino e humano numa única existência. isso é possível? Se não aceitarmos a mutabilidade em Deus, então estamos sepultando de vez a crença na encarnação (não que isso para mim faça muita diferença)

Acredito que estamos aqui diante da velha divisão dos atributos de Deus sedimentado pela Teologia Sistemática: Atributos Naturais da divindade e Atributos Morais, os primeiros têm a ver com o Ser de Deus, os segundos se referem a sua forma de manifestação. (Embora eu não faça esta distinção)

Como afirma Paulo Nascimento "Deus mesmo, ninguém sabe o que é nem como é". Concordo com essa visão e acrescento que além de não saber "como é" ninguém sabe "se ele é" em outras palavras: estamos todos num limbo teológico para o qual ainda não existe saída. Estou convencido que Deus é um ser mutante, por isso mesmo, todas os nomes e idéias de Deus construídas pela religião, muitas vezes conflitantes entre pode na verdade ser as interfaces de um Deus camaleônico que se manifesta conforme a realidade se movimenta sem perder a essência.

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