(Parte 2) AS LIMITAÇÕES DO MODELO VICÁRIO
Como entender a morte de Jesus como sendo parte dos planos de Deus? Embora cristalizado dogmaticamente no imaginário religioso do cristianismo, o conceito de morte substitutiva precisa ser de-codificado e des-construído em busca de sentidos e valores inerentes que subjazem ao próprio texto do novo testamento e que de certa forma tem sido abandonado pela teologia dominante, que insiste em ver o evento de forma cósmica.
Para a teologia dogmática, a morte de Jesus pertencia ao plano salvífico do Pai, pré-estabelecido desde o princípio e tendo como fundamento a necessidade de um “sacrifício perfeito” capaz de aplacar a ira de Deus. Pertencia a esse plano secreto, elementos que não se harmonizam com o caráter de Justiça e amor do Pai, a saber:
A RECUSA DOS JUDEUS- Parece estranha, mais para que o plano de Deus desse certo e pudesse se concretizar era necessário que alguém matasse a Jesus; foi necessária então a recusa dos Judeus, de forma que, para salvar o mundo, Deus teria condenado a muitos. Nesse caso, devemos considerar que a recusa de Jesus pelos líderes religiosos deve ser vista não como algo reprovável e sim como uma atitude elogiável sem a qual ninguém seria salvo.
A TRAIÇÃO DE JUDAS- Teria sido Judas pré-destinado por Deus para participar de um plano secreto, devendo ele ser condenado como traidor a fim de viabilizar esse plano? Seria Judas um traidor ou um obediente servo cumpridor do seu papel no projeto salvífico? Tal qual Jesus, Judas seria parte de um plano arquitetado e executado como planejado para salvar o home.
A CONDENAÇÃO DE PILATOS- Dentro desse quadro devemos ainda destacar o importante papel destinado a Pilatos; uma vez que para que Jesus morresse numa cruz era necessária uma condenação que culminasse na sua morte. Segundo esse projeto, Pilatos estava encurralado entre a sua consciência e a vontade de Deus que determinava que seu filho deveria morrer para cumprir no seu corpo a redenção da humanidade, nesse caso o que poderia um simples mortal fazer diante de tão grandioso projeto? . Pilatos é um covarde ou um herói? Ele é um tirano ou mais um fiel cumpridor dos desígnios de Deus? Ao condenar Jesus, Pilatos teria estabelecido a condição sine qua non para a libertação do homem de seus pecados. Afinal, que seria dos homens se Pilatos tivesse absolvido e soltado Jesus? Nesse caso, ninguém estaria salvo.
O PREÇO DO PERDÃO
Entendemos que a salvação é um ato de Deus que declara nula a culpa e a dívida; É um processo, uma caminhada em direção ao Pai. Segundo Paulo, a salvação é pela graça, pela misericórdia do Pai. Cobrar a dívida de modo integral e exigir a morte de seu próprio filho como satisfação vicária como condição para conceder o perdão aproxima Deus dos deuses sanguinários que exigiam sacrifícios cruentos de seus seguidores; tais imagens não se harmonizam com a idéia de um Deus que como ensina Jesus: “ama ingratos e maus” (Luc. 6:35)
É preciso reconhecer que as pessoas envolvidas na morte de Jesus não eram marionetes destituídas de vontades a serviço a serviço de um plano supra-histórico; eles foram sujeitos responsáveis por suas ações. A morte de Jesus não foi, portanto plano de Deus e sim, resultado da ação consciente dos homens, realidade essa revelada por Jesus em sua súplica na cruz: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Luc. 23: 34) Em outras palavras, eles não sabem que estão realizando o anti-plano de Deus. Não se pode falar em perdão a não ser para aqueles que praticaram alguma coisa que desagrada a Deus, nesse caso, se a vontade de Deus era a morte de seu filho, como falar em perdão?
O SIGNIFICADO TEOLÓGICO DA MORTE DE JESUS
Jesus manifestou a razão de sua vinda ao mundo, ao contar chamada Parábola dos Lavradores Maus (Mat. 21: 23-34) Nas imagens extraídas por Jesus para ilustrar os fatos, fica caro que o projeto de Deus para salvar os homens não incluía a morte de seu filho, embora essa fosse uma realidade iminente. A morte é o destino de todo aquele que se entrega para fazer a vontade de Deus, como expresso em seu lamento sobre Jerusalém: “Jerusalém! Que matas os profetas e apedrejas os que te forma enviados! Quantas vezes quis eu reunir os teus filhos como a galinha ajunta os de próprio ninho debaixo das asas, e vós não quisestes!” (Luc 13: 31-35) Na parábola fica claro que depois dos lavradores terem ferido e apedrejado os servos (leia-se os profetas), o senhor enviou-lhes seu FILHO, dizendo: “terão respeito a meu filho” Quanto aos lavradores disseram: ! “vinde, mantemo-lo e apoderemo-nos de sua herança” (Mat. 21:37-38) Assim é possível concluir que a morte de Jesus foi a resposta dos homens ao amor do pai manifesto em enviar seu filho para cobrar os frutos que lhe pertenciam.
AS IMAGENS SACRIFICIAS E EXPIATÓRIAS (O sistema Sacrificial)
As dificuldades que temos para entender os conteúdos teológicos presentes nas formulas soteriológicas vicárias, residem no fato de o modelo sacrificial não mais existir, de forma que a idéia de morte expiatória pouco ou nenhum sentido faz para a mentalidade moderna, sendo que a reafirmação desse modelo para identificar o processo salvacionista esbarra em um enorme anacronismo teológico.
O trágico do sacrifício de Jesus foi ter sido identificado com o sistema sacrificial cultual do judaísmo, uma vez que sacrifício de animais nada mais era que símbolos expressivos do arrependimento do homem para com Deus, de forma que seu objetivo era manifestar a gratidão na busca pela reconciliação com Deus. Agostinho percebeu essa verdade ao afirmar: “O sacrifício é o sacramento. Quer dizer; o sinal sagrado do sacrifício invisível” Da mesma maneira, Leonardo Boff se expressa da seguinte maneira: “Sem atitude interior sacrificial, torna-se vazio o sacrifício exterior” sendo possível afirmar que o verdadeiro sacrifício não está na morte e sim na entrega, na doação espontânea. Nesse sentido, a morte de Jesus foi sacrificial.
O VALOR DO SACRIFÍCIO
Para Crabtree, teólogo batista: O sistema sacrificial nunca se apresenta em qualquer lugar como meio de salvação. Segundo ele, o modelo sacrificial revela um estágio na evolução da religião de Israel, de forma que: “Quando os profetas receberam uma revelação mais completa do caráter de Deus, entenderam mais claramente a natureza do pecado, reconheceram a tendência e o perigo de estabelecer eficácia ao próprio sacrifício ao invés do ofertante que nessas condições Deus perdoa o pecador. Apesar de combatida pelos profetas, nota-se durante o desenvolvimento da religião de Israel a tendência de atribuir ao próprio sacrifício o poder de cancelar o pecado do ofertante. A morte de Jesus foi interpretada pela comunidade de fé á luz desse sistema.
O MODELO DO SACRIFÍCIO EXPIATÓRIO
A teologia extraiu dos sacrifícios cultuais o modelo do sacrifício vicário. Pelo sacrifício, os homens além de venerarem a divindade, julgavam aplacar a sua ira provocada pela maldade humana. As culturas romanas e judaicas ofereciam uma base sociológica para os sacrifícios cruentos e expiatórios, tornando-os assim compreensíveis. A realidade atual reclama uma des-construção desse modelo e uma re-interpretação. O aspecto vindicativo e cruento do sacrifício não pode mais ser adaptado à imagem do Deus/Pai revelado em Jesus; ele não é deus irado a reclamar sangue e sim um pai amoroso que não espera por sacrifícios para oferecer seu perdão, pelo contrário ele é o Deus que se antecipa ao homem com benevolência e amor. Como pergunta Paulo: “Quem primeiro lhe deu,
para que ele o recompense?” Rom. 11:35.
para que ele o recompense?” Rom. 11:35.
Palestra proferida no SETBAL durante o Seminário sobre Cristologia.
Nota: As citações não trazem referencia a obras e páginas elas remetem aos livros indicados de cada autor. O texto preservou a informalidade inerente a uma palestra.
Para continuar o debate:
DUCQUOC, C.H.. Cristologia: O Messias. Ensaio Dogmático, Vozes
DOYON, J. Cristologia Para o Nosso Tempo, Paulinas
BOFF, Leonardo, Jesus Cristo o Libertador, Ensaio de Cristologia Crítica, Vozes
BOFF, Leonardo. Teologia do Cativeiro e da Libertação, Vozes
BULTMANN, Rudolf. Jesus Cristo e Mitologia. Fonte editorial
SANDER, Luis Marcos. Jesus o Libertador, A Cristologia de Leonardo Boff, Vozes.
CRABTREE, A.R. Teologia do Velho Testamento, Juerp.
GOPPELT, Leonardo. Teologia do Novo Testamento- Sinodal/Vozes
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