Confesso que, embora historicamente exista afinidade quanto à atividade, isto é todos eles se encontram dentro da moldura de líderes religiosos dentro de determinado sistema político-cultural-religioso, no entanto, sempre guardaram entre si significativas diferenças, de forma que seria fácil distinguir um pastor de um pajé ou de um curandeiro e conseqüentemente, um profeta de um xamã.
Não ofereço aqui qualquer julgamento quanto à validade das crenças e das manifestações religiosas de tais líderes. Nem estabeleço aqui qualquer hierarquia valorativa entre eles. Reconheço seus valores e os tenho como significativos para a construção da espiritualidade de suas comunidades.
Atualmente, no entanto, parece que estas figuras vivem uma verdadeira simbiose, de forma que diversos elementos perfis e idéias que deveriam distingui-los deixaram de ser exclusivos e se encontram presentes na práxis religiosa de muitos líderes, que a despeito de se auto -intitularem “pastor”, se comportam como pajés ou curandeiros e muitos que adotaram o título de “profetas” na verdade manifestam comportamentos que nada tem a ver com o profetismo, são na verdade práticas típicas do xamanismo.
Vivemos na atualidade uma enorme confusão doutrinário-teológica, resultante da mistura provocada pela religiosidade pós moderna, onde já não é seguro afirmar quais são os elementos originais de determinado sistema religioso, político ou filosófico, isso parece ser algo comum a este tempo. Acontece que no caso específico da religião as conseqüências são muito maiores.
Atualmente ao ouvirmos determinadas pregações, não sabemos se estamos diante de um pastor ou de um pajé, munido de suas crenças e cerimoniais, lançando mão de incensos, negociando com espíritos que insistem em dominar os corpos dos seres humanos, provocando todo tipo de enfermidades e sofrimentos. A tarefa pastoral não se caracteriza por perseguir demônios, armados de esconjuros e bordões do tipo “ta repreendido”, “sai dele” e tantos outros largamente utilizados nos rituais de “expulsão de demônios”. Essa função é desempenhada com sucesso pelos curandeiros, feiticeiros e demais “guias espirituais” de qualquer tribo indígena.
A tarefa do pastor consiste em cuidar de pessoas, e não atuar como caçador de espíritos no melhor estilo dos caça fantasmas; acreditar em um mundo assombrado, dominado por forças malignas, não nos coloca muito longe das crenças verificadas nos círculos indígenas, e atribuir a espíritos malignos a responsabilidade por todos os males que se abate sobre as pessoas, não nos distingue de um curandeiro ou de um xamã.
Quanto aos profetas, estes não se caracterizaram por adivinhar o futuro, fazer prognósticos sobre o que vai acontecer e revelar os segredos das pessoas. Eles foram homens que assumiram compromisso com os problemas que afligiam as pessoas em suas relações sócio-político-econômicas, e reconheciam que os males não eram causados por forças cósmicas que conspiravam contra os indefesos mortais. Na verdade eles não tergivessaram, deram nomes e endereços aos verdadeiros responsáveis pela miséria e pelo sofrimento do seu povo, eles viram nas injustiças sociais do seu tempo, os reais demônios a serem exorcizados.
Se apegar a batalhas espirituais, combater um mal metafísico e se envolver em verdadeiras cruzadas contra espíritos etéreos, que supostamente espreitam as pessoas, e controlam os seus corpos e desprezar os “demônios” corporificados que todo dia semeiam o sofrimento a tristeza e a dor no mundo de forma clara e evidente, é deixar de ser profeta para assumir o lado xamã do ministério pastoral.
No entanto, é bom que se esclareça que não estou lançando descrédito sobre a a existência do mal, de espíritos ou qualquer outro elemento da crença religiosa evangélica ou não. O que questiono é a limitação da ação da Igreja, e por tabela dos seus ministros, a uma atuação desencarnada e platônica, o que a meu ver não se coaduna com a proposta do evangelho vivido e pregado por Jesus.
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