sexta-feira, abril 02, 2010

UMA PÁSCOA INVERTIDA

Todos os anos as coisas se repetem na Páscoa. Ovos, peixes, vinhos, encenação da paixão de Cristo, cerimônias religiosas, penitência, procissões, etc. Tudo isso acontece dentro da moldura cujo quadro é a morte de Jesus. Confesso que já me cansei dessa hipocrisia que domina a sociedade nesses dias, dessa falsa espiritualidade encenada travestida de piedade cristã.

Quero uma páscoa invertida, onde a atitude não seja a de presentear ovos de chocolate para aqueles que efetivamente não precisam; uma verdadeira pândega onde aqueles que podem se esbaldam numa gastança desenfreada que denuncia indiferença, egoísmo e falta de solidariedade.

Na páscoa invertida, nesse dia, aqueles que têm, repartem com os mais desafortunados da vida. O presente não é para a família, para os amigos e sim para pessoas anônimas. Afinal Cristo não veio apenas para atender seus familiares e amigos; na verdade ele se deu pelos mais necessitados do seu tempo.

Na páscoa invertida a sexta feira não é dia de comer peixe, e sim de proteger os rios, os peixes, as águas, os mares, os corais. Nessa páscoa celebra-se a vida, incluindo-se aqui o respeito para com os animais e o cuidade com a natureza. Acredito ser essa uma ação muito mais condizente com o espírito do cristo, cuja atitude na cruz denuncia essa ação deletéria de matar, representada na crucificação.

Numa páscoa invertida não há lugar para a celebração da morte; ela deve ser lembrada em silêncio, na intimidade de cada um, sem encenações espetaculares com a atores globais, etc, cujo custo não sei precisar. Nessa páscoa, deve-se olhar para os milhares de "cristos" anônimos, crianças, viúvas, idosos, todo tipo de miseráveis que gemem "crucificados" pela sociedade atual; ainda vivos, porém vivendo seu calvário particular. Esse espetáculo já é suficiente para uma páscoa ao avesso.

Uma páscoa invertida não demanda cerimônias religiosas, atos de penitência, nem procissões. Nessa páscoa, os cultos e missas com seus derivados são substituídos por gestos de caridade, pela descida aos grotões, às favelas, aos casebres que nesse dia assistem atônitos suas panelas vazias; os atos de penitência repetidos muitas vezes até derramar o sangue do penitente, deve ser trocado por um grito em defesa das tantas vítimas da violência, pessoas inocentes cujos nomes não podem ser aqui elencados; sangue derramado que todos os dias continua a verter e que deve causar vergonha e tristeza o suficiente para que não precisemos celebrar qualquer tipo de violência. Procissões se transformam em passeatas pela paz, pela justiça e pelo fim da corrupção. Essa páscoa se parece muito mais com a vida e resgata as atitudes daquele homem crucificado em Jerusalém.

Essa páscoa não existe. Talvez jamais venha a existir. Ela não passa de uma quimera, um delírio que não pode subsistir aos apelos da mídia e dos anúncios comerciais. Eu sei disso! Mas acredite: uma páscoa assim eu celebraria com muito mais entusiasmo.


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