quinta-feira, maio 26, 2011

CRISTOLOGIA VICÁRIA : O SIGNIFICADO POLÍTICO E TEOLÓGICO DA MORTE DE JESUS

(Parte 3)
A BASE DO MODELO EXPIATÓRIO

As imagens mais correntes na piedade dogmática referente á cristologia vicária são: Sacrifício expiatório, redenção-resgate, e satisfação substitutiva. A base comum a todos eles, no entanto, é o conceito de pecado subjacente. A hamartilogia tradicional ensina que: O pecado enquanto atinge Deus é ofensa que exige reparação e satisfação; o pecado enquanto atinge o homem é transgressão que reclama punição e demanda um sacrifício expiatório; o pecado enquanto afeta as relações entre o homem e Deus significa ruptura e escravização do homem entregue à esfera de satanás e requer uma redenção e o pagamento de um preço de resgate.
Em que consiste o amor e a misericórdia do Pai? Segundo ess teologia, deus teria mostrado seu amor ao enviar seu filho para morrer em lugar dos homens, satisfazendo a justiça de deus ofendida e recebendo em seu corpo a punição pelo pecado que é a morte, pagando assim o devido preço do resgate a satanás libertando o homem da escravidão. A caducidade desse modelo é visível, pois suprime o elemento histórico da vida de Jesus, resumindo o seu ministério a um “vir para morrer” e transformando a sua morte num drama metafísico pré-estabelecido na eternidade, independente das decisões do presente. Vale a pena lembrar que plano de Deus registrado por João: “Deus amou o mundo de tal maneira que deus seu filho unigênito para que todo aquele que nele crer não pereça mais tenha a vida eterna” (João 3:16) A simplicidade do plano é incontestável, ele se baseia na aceitação e não na recusa que leva à morte.
O MODELO DE SATISFAÇÃO SUBSTITUTIVA
Este modelo situa-se no horizonte jurídico do direito romano (satisfactio) foi introduzido na teologia por Tertuliano (Teoria dos Direitos do Demônio), aprofundado por Agostinho e teve em Anselmo de Cantuária seu maior defensor. Em seu livro Cur Deus Homo? (Por que Deus se fez Homem?) Anselmo buscou uma explicação para a encarnação de Jesus. Segundo ele, o homem ao pecar violou a ordem da criação, ofendendo a Deus; assima justiça divina exige que a ordem seja sanada e reparada; isso requer necessariamente uma satisfação condigna; como a ofensa do homem é contra um Deus infinito, a satisfação também deve ser infinita; sendo o homem finito jamais poderia reparar a ofensa; assim, deus enviou seu filho eterno para restabelecer a ordem do universo. Para Anselmo, Deus até encontra bela a morte de cruz porque através dela sua justiça é aplacada.
A imagem de Deus elaborada por Anselmo e seus antecessores está baseada numa idéia feudal de um senhor sanguinário e vindicativo que se apraz em cobrar até o último débito, diferente do senhor amoroso mostrado por Jesus que perdoa o devedor impotente (Mat. 18:23-27) Essa teologia é fatalista e unilateral e lança o homem numa aventura cósmica e a-histórica. Tal reflexão se distancia da pregação de Jesus que deixou claro a participaçaõa do homem no processo de salvação “porfiai por entrar pela porta”
O CARÁTER LIBERTADOR DA VIDA DE JESUS
Quando olhamos apenas para a cruz, perdemos de perceber o caráter libertador da vida de Jesus, (desprezada quase que por completo) pela teologia tradicional.
Jesus aceitou a contradição da cruz como demonstração de obediência à sua missão profética de anunciar o reino de Deus deixando-nos exemplos para que possamos seguir as suas pisadas (I Pedro 2:21)
A sentença “Cristo padeceu por nós” denota o caráter martiriológico dessa morte, devendo ser entendida como “por amor a nós” e não “em nosso lugar” como tem sido divulgado pela doutrina tradicional. A questão que envolve essa fórmula é a seguinte: a morte do justo isenta da culpa do castigo o criminoso causador do sofrimento? E mais, se a culpa já foi perdoada pela morte do inocente não estariam todos perdoados e, portanto, salvos?
CRISTO SACRIFÍCIO INTEGRAL
Devemos entender sacrifício como doação, entrega de vida para o serviço do senhor. Leonardo Boff analisa o conceito de sacrifício da seguinte forma: “Cada qual é sacrifício à medida que se autodoa e acolhe a mortalidade da vida, sacrifica, se desgasta. Abrir-se para Deus e se entregar, nisso consiste o verdadeiro sacrifício” Na expressão paulina, sacrifício vivo é o que devemos oferecer a Deus. (Rom. 12:1) Nesse sentido, podemos entender podemos entender o sacrifício de Cristo; não apenas sua morte foi sacrifício mas toda a sua vida também o foi, uma vez que ela foi uma verdadeira entrega pelos pecadores.
Considerar o sacrifício de Cristo nos moldes dos sacrifícios cruentos do sistema sacrificial levítico, é perder a dimensão real do sacrifício realizado por Jesus. Cristo é sacrifício não apenas na morte, pois o teria sido mesmo sem morrer, sem derramar seu sangue numa cruz.
UMA PRAGMÁTICA SOTERIOLÓGICA
Uma soteriologia precisa ser pragmática e compreensível, pois a fé vem pelo ouvir. Más como pode alguém crer naquilo que não entende? Uma soteriologia mínima deve conter pelo menos o seguinte: O pecado cria alienação (cisão) entre Deus e o homem; a intervenção de Deus através de Jesus aponta o caminho para Deus e convida o homem a uma de-cisão. O reconhecimento da condição de pecador separado, (cindido) de Deus conduz ao arrependimento e à confissão do erro; essa é a condição para que Deus perdoe o pecado (falha) e a unidade seja restabelecida. Foi pensando assim que Heinrinch Julius Holtzmann escreveu: “Todo que se arrepende sinceramente, recebe o perdão de Deus; não sendo necessário uma morte com caráter de sacrifício vicário”
Podemos entender a necessidade que os discípulos tiveram de interpretar a morte de Jesus e o seu significado para a salvação do homem; para tanto, utilizaram as imagens disponíveis no seu tempo e as categorias teológicas que lhes eram compreensíveis. Podemos continuar a falar da morte de Jesus e o seu significado simbólico como “tipologia” da salvação eterna manifestada por ele no gesto maior de tornar-se homem e assumir as nossas fraquezas. Existiria maior sacrifício que este?
Palestra proferida no SETBAL durante o Seminário sobre Cristologia.
Nota: As citações não trazem referencia a obras e páginas elas remetem aos livros indicados de cada autor. O texto preservou a informalidade inerente a uma palestra.
Para continuar o debate:
DUCQUOC, C.H.. Cristologia: O Messias. Ensaio Dogmático, Vozes
DOYON, J. Cristologia Para o Nosso Tempo, Paulinas
BOFF, Leonardo, Jesus Cristo o Libertador, Ensaio de Cristologia Crítica, Vozes
BOFF, Leonardo. Teologia do Cativeiro e da Libertação, Vozes
BULTMANN, Rudolf. Jesus Cristo e Mitologia. Fonte editorial
SANDER, Luis Marcos. Jesus o Libertador, A Cristologia de Leonardo Boff, Vozes.
CRABTREE, A.R. Teologia do Velho Testamento, Juerp.
GOPPELT, Leonardo. Teologia do Novo Testamento- Sinodal/Vozes

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1 comentários:

Jeyson Rodrigues disse...

Sem dúvida uma das abordagens mais honestas que já li sobre o assunto. parabéns, proféssor