Já faz algum tempo, que em uma das minhas crises, escrevi um texto que intitulei de “UM MUNDO SEM RELIGIÕES”. Atualmente, diante dos últimos acontecimentos envolvendo a igreja brasileira, o recrudescimento dos conflitos religiosos no mundo e revendo esse texto, chego a pensar que apesar de ilusório, um mundo sem religiões pode ser um sonho que talvez valha a pena perseguir. Sei também que assim como eu, apesar de não admitir, muita gente também pensar assim. Na canção “Imagine” John Lennon ousou pensar em um mundo diferente e nos desafiou: “... imagine que não existam países, nada pelo que matar ou morrer, e nem religiões também...”. Em outras palavras um mundo menos institucionalizado, já que grande parte das mazelas do mundo é produto das instituições.
Jesus talvez seja o maior exemplo de que é possível viver em um mundo sem religião. Apesar de profundamente espiritual[1], ele não centrou a sua caminhada na observância de preceitos religiosos; não escreveu livros sagrados, não prescreveu doutrinas nem criou nenhuma religião. De certa forma, ele foi um iconoclasta, pois, em sua maneira de viver quebrou diversos preceitos fundamentais da religiosidade de seu tempo, tais como: aqueles ligados a purificação: perguntaram a ele: “Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos anciãos? Pois não lavam as mãos quando comem pão” (Mateus 15: 2) Ele responde “O que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca isso é o que contamina o homem” (Mat. 15;11); a Lei relativa à observância do sábado: os fariseus perguntaram a Jesus: “Por que fazem no sábado o que não é lícito?” (Mc 2:24) e Ele responde: “O Sábado foi feito por causa do homem, e não o homem por causa do Sábado.” Mc 2:27; da obrigatoriedade do jejum: perguntaram a Jesus: “Por que os discípulos de João e os discípulos dos fariseus jejuam, e os teus discípulos não jejuam?”; então ele respondeu: “Ninguém põe um remendo de pano novo numa roupa velha; (...) Ninguém põe vinho novo em odres velhos; porque o vinho novo arrebenta os odres velhos e o vinho e os odres se perdem”. (Marcos 2,18-22).
Além disso, diferentemente dos judeus que subiam ao Templo para orar, Jesus se afastava dele e orava sozinho nos montes e em locais desertos como registra Marcos 1: 35 “Levantando-se de manhã muito cedo, ainda escuro, saiu, e foi para um lugar deserto, e ali orava”; além disso, ele orientou os discípulos a agir da mesma maneira: “tu quando orares, entra no teu quarto, e, fechando a tua porta ora a teu Pai que está em secreto” (Mat. 6: 6) Ao ser questionado sobre o local correto de adoração, se em Jerusalém ou em Gerizim, disse: “A hora vem em que nem neste monte nem em Jerusalém adorarão o Pai (...) Vem a hora e já chegou em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade” (João 4: 21-23) Na casa de Zaqueu ao ser questionado pelos fariseus que o acusava de ter entrado para ser hóspede na casa de um pecador (Luc 19: 7) Ele quebrou a regra da linhagem genealogica e afirma: “também este é filho de Abraão” (Luc. 19: 9)
A religião faz distinção entre puros e impuros, santos e pecadores, filhos de Deus e criaturas de Deus, entre salvos e perdidos; entre lugares sagrados e lugares profanos. Na religião, as pessoas existem para servir às divindades e manter as instituições.
Uma espiritualidade madura como aquela demonstrada por Jesus, olha para as pessoas e as acolhe, não faz distinção entre as pessoas, de forma que todos são iguais perante o Pai. Jesus viveu intensamente sua espiritualidade, sem se tornar um religioso. Ninguém foi mais espiritual do que Jesus, porque ninguém foi mais humano do que Ele. A religiosidade nos embrutece, a espiritualidade nos humaniza, de forma que religiosidade e espiritualidade seguem caminhos opostos: quanto mais espiritual a pessoa é, menos religioso se torna; a recíproca também é verdadeira, quanto mais religioso menos espiritual.
Atualmente, as religiões servem em parte para controlar a conduta moral da sociedade, cumprindo seu papel de aparelho ideológico, muito embora a conduta moral, nada tenha a ver com as religiões; ela é produto da espiritualidade endógena; de forma que quanto mais espiritual, mais humana, afetiva e mais compreensiva a pessoa se torna; ao contrário, o aumento da religiosidade torna os homens mais arrogantes, intransigentes e intolerantes com as falhas dos outros; a religião dissemina ódio, preconceito e fanatismo; em outras palavras: quanto mais “santo”, mais ranzinza, mais rabugento, odioso e intransigente.
Segundo o sociólogo norte-americano Phil Zuckerman[2] os países menos religiosos do mundo são mais éticos, justos, possuem baixa taxa de criminalidade e altos índices de qualidade de vida e igualdade entre as pessoas. Ao contrário, os países mais religiosos apresentam altos índices de desigualdade, criminalidade, corrupção e injustiça social. Em um artigo intitulado “Deus Nos Livre de um Brasil Evangélico” [3] Ricardo Gondim lista uma série de razões pelas quais o Brasil seria pior do que é atualmente: seria um país com menos cultura e sem respeito às liberdades individuais; mais preconceituoso, fisiologista e intolerante.
Mas alguém perguntaria: se houvesse um mundo sem religiões, ele seria melhor? Não tenho certeza, mas imagino que um mundo sem religiões, sem ideologias religiosas, teria mais espiritualidade, as pessoas teriam tempo para cultivar valores espirituais; teria menos guerras, já que grande parte das guerras tem motivação religiosa. Imagino que um mundo sem religiões teria menos sofrimento. Muitas das desgraças da humanidade aconteceram em nome de Deus e de idéias religiosas. Imagino que ele será mais tolerante; religião é um meio de alienação das pessoas que, entorpecidas e movidas pelo zelo excessivo, promovem a dor e o sofrimento alheio. Um mundo assim, não seria perfeito, mas teria menos ódio, mágoas, e rancores, menos discriminação, menos preconceitos, arrogância, superstições, obscurantismo, guerras, perseguições e fanatismo e mais respeito pelas diferenças. Por tudo isso, apesar de não passar de uma miragem, eu ainda insisto em imaginar a possibilidade de ... UM MUNDO SEM RELIGIÕES.
[1] Uso aqui a palavra espiritual no sentido de cultivo dos valores do espírito, da psique da dimensão humana que não se volta para o transcendente, para o mundo da religião
[2]Phil Zuckerman. Society Without God – What the Least Religious Nations Can Tell Us About Contentment" Traduzido por: Sociedade sem Deus – O que as nações menos religiosas podem nos dizer a respeito da satisfação.
[3]Gondim, Ricardo. Deus Nos Livre de um Brasil Evangélico. Disponível em: http://www.ricardogondim.com.br/Artigos/artigos.info.asp?tp=65&sg=0&id=2400
1 comentários:
Excelente texto, professor Neilton. Parafraseando nosso querido e ex-religioso, Rubem Alves, as religiões engaiolam o vôo da espiritualidade, impondo-lhe limites e regras.
"Disse-lhe a mulher: 'Senhor, vejo que é um profeta. Nossos pais adoraram sobre esta montanha, mas vós dizeis: é em Jerusalém que está o lugar onde é preciso adorar'. Jesus lhe disse: 'Crê, mulher, vem a hora em que nem sobre esta montanha nem em Jerusalém adorareis o Pai...'" (João 4.19-21)
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