2.2 - Conceito Pelagiano do Mal.
O homem, segundo Pelágio, é dotado de livre arbítrio, de modo que lhe é possível decidir a favor ou contra o que é bom, e também praticar tanto o bem como o mal. O bem e o mal estão localizados nas ações isoladas do homem. Para Pelágio, o pecado consiste somente nos atos isolados provenientes da vontade. A coisa chamada natureza pecaminosa não existe, como tampouco as chamadas disposições pecaminosas. O pecado é sempre uma escolha deliberada do mal, escolha feita por uma vontade perfeitamente livre e que igualmente pode escolher seguir o bem.[1]
Pelágio, sustentava que o homem foi feito bom pelo Deus bom, e não pode haver defeito inerente à sua natureza. Suas faltas eram, portanto, de sua responsabilidade pessoal, e ele pode curar-se delas pelo esforço. "Como poderia o que falta à substância (o mal, que é nada - palavras de Agostinho)[2] enfraquecer ou mudar a natureza humana?"
2.3- Conceito Agostiniano:
O mal consiste no ato da vontade livre de urna criatura racional que se afastou do bem. Quando Adão caiu, toda a raça humana que dele descenderia foi condenada com ele; tomou-se urna massa damnata. A própria natureza humana foi mudada, de tal sorte que a vontade humana não mais podia na prática escolher o bem sem ajuda. Ela desenvolveu urna tendência de fuga a querer o mal, resultando que o querer tomou-se concupiscente e os desejos excederam os limites da razão. O desejo sexual em particular parecia ter vida própria, forçando o corpo sem referência às tentativas da alma racional de controlá-Io. Veio, com efeito, a representar para Agostinho a essência do que tornara errado com a queda de Adão e da maneira corno a natureza viciada de Adão era transmitida de geração em geração.[3]
2.4 - Conceito Maniqueista do Mal
O maniqueísmo é uma forma de pensar simplista em que o mundo é visto como que dividido em dois: o do Bem e o do Mal. A simplificação é uma forma primária do pensamento que reduz os fenômenos humanos a uma relação de causa e efeito, certo e errado, isso ou aquilo, é ou não é. A simplificação é entendida como forma deficiente de pensar, nasce da intolerância ou desconhecimento em relação a verdade do outro e da pressa de entender e reagir ao que lhe apresenta como complexo. "A pressa de saber obstrui o campo da curiosidade e liquida a investigação em muito pouco tempo", declara o psicanalista W. Zusman (A terra sob o poder de Mani, JB/s.d.)[4].
O maniqueísmo combina elementos do zoroastrismo, antiga religião persa, e de outras religiões orientais, além do próprio Cristianismo. "Possui uma visão dualista radical, segundo a qual o mundo está dividido em duas forças: o Bem (luz) e o Mal (trevas) como entidades antagônicas em perpétua luz. Luz e trevas no sistema maniqueísta não são figuras retóricas, são representações concretas do Bem e do Mal. O Reino da Luz e o Reino das Trevas estão em permanente conflito. É dever de cada ser humano entregar-se a esse eterno combate para extinguir em si e nos outros a presença das Trevas a fim de poder alcançar o Reino da Luz, que é o Reino de Deus. No maniqueísmo, os homens "eleitos" irão purificar o Bem, com uma vida de castidade, renúncia a família, alimentação especial, etc.
O maniqueísmo se baseia numa estruturação dualista que reduz a vida a pares antagônicos irreconciliáveis, tipo: direita/esquerda, corpo/mente, reacionário/progressista, belicista/pacifista, fiel/infiel, capitalista/comunista, individualismo/coletivismo, branco/negro, ariano/judeu, raça superior/raça inferior, objetivo/subjetivo e assim por diante. "É evidente que não se pode deixar de reconhecer a existência daquilo que cada um desses pares antitéticos nomeia, mas o pensamento maniqueísta vai além na medida em que considera que um lado deve destruir o outro, porque um é Luz e o outro Trevas, um é o Bem e o outro é o Mal
"Deus é inteira e sumamente bom, incapaz de qualquer mal. Parecia tão claro aos maniqueus que somente o bem podia vir de Deus que eram forçados a conceder a existência de algum princípio contrário, independentemente do bem, não - criado, um primeiro princípio corno o próprio Deus. Retinham que esta força má pressionava eternamente o bem e tentava empurrar mais longe a linha divisória que cerca e restringe o bem. "Quando veio o Espírito Santo”, diz o Saltério Maniqueu, 'Ele nos revelou a vereda para a verdade, ensinando-nos que existem duas Naturezas, a Natureza da Luz e a Natureza das Trevas, separadas uma da outra desde o principio'. O mal não pode alterar o bem, mas pode cercá-lo de todos os lados e impedir seus movimentos, pois o bem não é naturalmente guerreiro e não busca enfrentar o mal com oposição ativa a não ser quando reconhece seu perigo.” [5]
Como o pensamento maniqueísta está reduzido a um par de verdades antagônicas, implica em que aceitar o raciocínio do outro, discordante, significa deixar-se arrastar para o domínio do mal e ser por ele tragado. O maniqueísmo, portanto, se converte em uma prontidão de vigilância (paranóia) constante para não se deixar iludir com os "discursos sedutores". Santo Agostinho que inicialmente foi maniqueísta, depois de ter se afastado, escreveu em Confissões (livro 7) que, nessa doutrina "não tinha encontrado paz e apenas expressava opiniões alheias".[6]
2.5 – O Conceito Católico sobre o Mal
O catolicismo romano é marcado por forte influencia do maniqueísmo, comum nas religiões judaico-cristãs. No catolicismo o bem e o mal são absolutos e não se misturam. O bem está em Deus e o mal é encarnado na figura do Demônio. As entidades sobrenaturais são absolutamente boas ou absolutamente más. Quem transita entre os extremos é o homem e a busca da salvação envolve uma opção decidida pela trilha do bem.
O verdadeiro pecado sempre consiste num ato consciente da vontade. É certo que as disposições e os hábitos que não estão de acordo com a vontade de Deus são de caráter pecaminosos; contudo não se pode chamá-los de pecado, no sentido restrito da Palavra. A concupiscência que está presente no homem e por trás do pecado, ganhou domínio sobre o homem no paraíso e causou-lhe a perda da justiça original; esta concupiscência não pode ser considerada pecado, mas somente a lenha (fome) ou o combustível para o pecado. Alguns dos princiupais expoentes católicos sobre o mal são:
Alberto Magno - "A alma é o motor do corpo. Dentro da alma, o "intelecto prático" dirige a vontade e as ações de todo homem por meio do conhecimento e do pensamento racional. A vontade é o apetite natural de uma alma racional para o bem como o intelecto o apreende. Escolha livre só se encontra no homem. Consiste na capacidade humana de decidir por "arbitração" o que é bom e o que é mal, segundo a norma da razão. Uma vez que ele decidiu, deve agir. Liberdade consiste em aceitar o juízo da razão, ou afastar-se dele. Enquanto é um poder de arbitrar, pertence à razão; enquanto é livre pertence a vontade."[7]
Tomás de Aquino - "Sustentava que todo agente age em vista de um fim, e que o fim deve estar em conformidade com a sua natureza. Ele conclui que o fim do homem, enquanto natureza racional deve ser agir "de acordo com a razão", Nesta base, ele examina o fim ou propósito da vontade humana." [8]
[1] Id. Ibid., p. 3.
[2] Id. Ibid., p. 22.
[3] Id. Ibid., p. 247.
[4] O Maniqueísmo: o Bem, o Mal e seus efeitos ontem e hoje, texto disponível em http://www.espacoacademico.com.br/007/07ray.htm,
[5] Segundo Raimundo de Lima: O maniqueísmo propõe uma ação, uma luta eterna contra o Mal, personificado em algumas coisas, pessoas e situações. Na ação maniqueísta "vale tudo", até mesmo a violência extrema contra o Mal, que ele delira. A guerra e a tortura são os principais meios do maniqueísmo O Maniqueísmo: o Bem, o Mal e seus efeitos ontem e hoje, texto disponível em http://www.espacoacademico.com.br/007/07ray.htm,
[6] Idem
[7] R, G. Evans. Agostinho - Sobre o Mal. São Paulo Ed. PAULUS: 1995. p.263
[8] IDEM. p.264
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