RECENTEMENTE EU FIQUEI CHOCADO e acho que você também ficou com o drama de um pai. A imagem do desespero do pai do menino João Roberto, covardemente metralhado e morto pela polícia dentro do carro da mãe inquietou a minha alma; mas foram as suas palavras que calaram fundo no meu coração. Não pude deixar de atentar para a profundidade quase profética da frase:
“eu não posso pagar por esta sociedade podre que eles construíram”.
Fiquei pensando: É verdade vivemos em uma sociedade podre, no entanto, não pude deixar de questionar de quem é a culpa? Se a sociedade está podre, possivelmente faltou sal para salgar e preservar esta sociedade, impedido que apodrecesse; afinal Jesus disse que somos o sal da terra. Talvez devamos ter coragem e humildade para admitir que não houve sal suficiente para impedir que o mundo arruinasse.
Ainda com as imagens de um pai desesperado e nas suas palavras, fiquei a pensar na Igreja e algumas imagens me vieram à mente. De forma que quero humildemente compartilhar com você. Inicialmente, quero destacar que todas estas imagens não foram colhidas do ministério de ninguém, eu olhei para mim mesmo, para a minha práxis, para o meu ministério, e admito que elas podem ser absolutamente estranhas ao seu.
PRIMEIRAMENTE EU VEJA UMA IGREJA SILENCIOSA QUE FAZ MUITO BARULHO:
Quando falo em Igreja silenciosa, eu penso no silencio sepulcral que a Igreja insiste em manter diante de dramas como este que atinge todos os dias a sociedade brasileira, inocentes que são trucidados, a injustiça campeia, a corrupção. A violência aumenta, as Igrejas reduzem seus horários de culto (e isso realmente tinha que ser feito) colocam grades nas janelas, compram sistemas de segurança, e por ai vai, sentindo a falsa ilusão de que tudo está bem. No entanto não se vê nenhuma manifestação de protesto, nem a voz profética da igreja se levanta para colocar desinfetante nessa podridão.
No entanto, se temos uma Igreja silenciosa quanto aos graves problemas que a todos afeta, encontramos uma Igreja que grita, faz barulho, esperneia (nada a ver com os pentecostais), esses gritos e todo o barulho que se ouve na mídia (e nos púlpitos) diz respeito à possibilidade de aprovação da PL 122/2006 que criminaliza a homofobia. Houve intensa movimentação na Internet com envio de E-mails para Senadores, Deputados, etc. Recentemente ouvi em acalorado debate evangélico, que "se tal projeto for aprovado haverá uma guerra civil no Brasil. Que a Igreja não deve se calar nem se dobrar diante da lei." Muito bem, não quero tecer aqui qualquer crítica a aqueles que assim procedem, acredito que estão movidos por sinceras convicções, nem fazer apologia à aprovação do famigerado PL 122/2006, no entanto gostaria muito que todo esse vigor da Igreja para combater, e guerrear, indo até às últimas conseqüências se manifestasse também em defesa de outras causas. Que a dor daqueles que perdem seus entes queridos também sensibilizasse a Igreja a escrever E-Mails, a protestar e a pedir mudanças. Que as mazelas que afligem a sociedade, não sejam encaradas como simples camelos, ao passo que venhamos a nos esmerar na caça aos mosquitos (não o Aedes Egipt) uma vez que nem isso incomoda a Igreja, nunca ouvi um sermão acerca dos perigos desse mosquito.
O sal precisa sair do saleiro até porque não se pode salgar se o sal insiste em se manter separado, não se envolver.
EM SEGUNDO LUGAR EU
A história da Igreja está recheada de atitudes que muitas vezes consome as energias e enfraquece a sua influência no mundo, a exemplo da luta histórica da Igreja para perseguir os hereges, as bruxas (muitos foram queimados nas fogueiras) e os liberais que ousaram "contestar a palavra de Deus". Podemos dizer que a Igreja se especializou em coar os mosquitos doutrinários, que de forma nenhuma podem ser tolerados, no entanto os camelos passam despercebidos e ainda perguntam: camelo? Que camelo? Não vejo camelo nenhum! E mesmo que eles existam podem ser facilmente engolidos, perigosos mesmo são mosquitos, cuidado com eles!
Temos nos especializado em caçar fantasmas, como as perigosas mensagens subliminares escondidas nos filmes do Rei Leão, Harry Potter nos desenhos animados e nas músicas. Mensagens que aparecem quando se inverte a rotação (não sei se funciona com CD). Coamos os perigosos mosquitos das marcas de roupas, da coca-cola e engolimos os camelos dos desvios de verbas da saúde, da educação, da corrupção, das centenas de vidas ceifadas todos os dias.
EM TERCEIRO LUGAR
Não sou contra a música, acredito na sua importância para a vida da Igreja. Nas orações e nas celebrações como instrumento de transformações. O problema é quando a visão é dominada pela cegueira ou pelo menos por uma grave miopia que nos impede de ver o que se passa ao nosso redor. Quando os gritos de desespero daqueles que sofrem hoje soam longe e são encobertos pelo som (muitas vezes ensurdecedor) dos instrumentos e pelo canto que embala os nossos cultos. Muitas vezes só nos lembramos que o mundo está podre, quando o mau cheiro invade as nossas casas, quando a dor do vizinho muda de endereço e se identifica com o nosso.
Há uma multidão que se une para realizar shows evangélicos, cantar e se divertir. Nas palavras de Jesus, devemos “fazer estas coisas sem omitir aquelas”, Não sou contra show evangélico acredito até que os crentes deveriam se divertir mais, sorrir mais, sair da redoma e desfrutar a vida que é um dom de Deus. Não acredito que a verdeira felicidade está depois da morte, acho que ela pode e deve ser desfrutada aqui e agora e se projetar para além da morte. O que preocupa é que a Igreja parece adormecida, diante de uma crise que cada dia se aproxima mais de cada um de nós, que o mau cheiro da sociedade não precise primeiro chegar aos nossos narizes para que venhamos a nos incomodar.
O poema de Martin Niemoller traduz o perigo da indiferença e as conseqüências do silêncio:
Primeiro levaram os judeus,
Mas não falei, por não ser judeu.
Depois, perseguiram os comunistas,
Nada disse então, por não ser comunista,
Em seguida, castigaram os sindicalistas,
Decidir não falar, porque não sou sindicalista
Mais tarde, foi a vez dos católicos,
também me calei, por ser protestante.
Então, um dia, vieram buscar-me
Mas, por essa altura, ja não restava nenhuma voz,
Que, em meu nome, se fizesse ouvir.
A pergunta que não quer calar é simples: Quantas outras vidas ainda precisam ser ceifadas antes que a Igreja começe a agir? Quantos camelos ainda serão engolidos, enquanto a Igreja se ocupa em coar mosquitos? E a bem da verdade, muitas vezes motivada por preconceitos que contrariam o próprio espírito do evangelho.