sábado, fevereiro 07, 2009

ÓPIO, RELIGIÃO E ILUSÃO

Creio que a religião tem uma vocação natural para o sonho, para a ilusão e a fantasia. O fato da religião se dirigir para a dimensão transcendente, ou seja, se voltar ao mundo espiritual faz com que esta se afaste da concretude da existência e se projete para o imaginário, para o encanto e o sonho, cuja existência é produzida unicamente pela fé. Desde os tempos imemoriais, o discurso religioso tem apontado para o além, para o mundo ideal e o seu conteúdo apenas faz sentido a partir desse imaginário coletivo. Daí Rubem Alves afirmar taxativamente em seu livro, O Que é Religião: que "sonhos são as religiões dos que dormem. Religiões são os sonhos dos que estão acordados"

Em si mesmo, o sonho e a imaginação, e porque não dizer: até mesmo a ilusão não produzem qualquer mal à manifestação religiosa, o sagrado se nutre do improvável, afinal, como afirma Martin Heidegger “o homem é uma síntese entre o tempo e a eternidade: ora tragado pelo tempo, ora sonhando com a eternidade. O problema é quando a religião se apóia unicamente nesse pilar, quando o sonho se torna devaneio e a ilusão vira neurose, quando a religião assume o caráter de ópio que adormece e neutraliza as ações concretas do mundo real, lançando o homem no mundo dos sonhos e promovendo o sono como condição para sonhar, quando a religião entorpece os sentidos, produzido uma verdadeira esquizofrenia espiritual.

Toda vez que avançamos no terreno "religioso", precisamos aceitar a neurose como meio e até mesmo como um anti-projeto de uma espiritualidade sadia. Acredito que por esta razão, os profetas não desenvolveram um sistema religioso ou pelo menos não se apegaram a uma religiosidade em seu sentido formal, isto é: Não construíram templos, não possuíam um cerimonial religioso, não elaboraram um sistema doutrinário, regras legais prescritas, não foram adeptos de moralismos nem desenvolveram rituais. Não ofereciam sacrifícios (e até mesmo questionaram a sua validade).

Em lugar de tudo isso, preferiram adotar um código ético-social, baseado na justiça, e na prática do bem comum. Além disso, mesmo parecendo estranho, os profetas criticaram a religiosidade própria dos círculos sacerdotais, especialmente a formalidade e o rigor cerimonial. Para eles, “Deus prefere a misericórdia ao sacrifício”.

No mesmo sentido, Jesus não se caracterizou como um fanático religioso, não se identificou com a religião judaica, preferiu olhar para a terra, para o reino de Deus (que estava fundado entre os homens) e não em algum lugar cósmico, numa dimensão etérea do mundo espiritual. O reino era justiça, misericórdia, toque, pão e aceitação.

Talvez Karl Barth tenha razão quando afirma que a tragédia do cristianismo foi se tornar uma religião por que agindo assim, perdeu a sua dínamis e se cristalizou, passando a existir apenas como remédio, como morfina ou ópio, atuando como neutralizante da dor e do sofrimento ou proporcionando a ilusão para aqueles que preferem fugir da realidade. Se quisermos uma religião que seja dinâmica, transformadora, deveremos fazer o caminho inverso, transformar a práxis da religião segundo a proposta original do cristianismo original, fora disso, a religião vai continuar cumprindo seu papel, ou seja: Vai permanecer iludindo e promovendo sonhos (ou pesadelos), mantendo os homens vivendo num intervalo entre a loucura e a serenidade. Creio firmemente que a religião não é necessariamente um ópio, mas pode se tornar; que a ilusão não fornece um meio seguro para peregrinar na dimensão religiosa, e que sonhar pode ser um exercício saudável, desde que não nos prenda a um mundo imaginario.

Leia Mais…