“A utopia cristã começa de forma insólita, quando um homem se anuncia como filho de Deus”.(José Tolentino Mendonça)[1]
A expressão de José Tolentino Mendonça de que a “a utopia cristã começa de forma insólita, quando um homem se anuncia como filho de Deus” parece ser o prenuncio de uma grande heresia. Muita gente torceria o nariz para engolir a possibilidade de alguém tratar a divindade de Jesus como utopia. Ora, não se pode negar que os elementos humanos e divinos são do ponto de vista teológico tão eqüidistantes que apenas uma hiper-utopia poderia pensar a possibilidade da existência de um Homem-Deus, e de certa forma, podemos dizer que, se entendermos o sentido e o propósito da utopia, ela serve bem ao seu objetivo.
Em regra geral, a narrativa bíblica é pródiga em produzir utopias, elas serviram para orientar e encorajar o povo em meio às crises pelas quais tiveram que passar. D certa forma, podemos dizer que a essência da literatura escatológica é eminentemente utopista; Em meio às catástrofes que se abatia sobre o povo o escatologista precisava acenar com um tempo imaginário de vitória e sucesso que via de regra não se materializava, mas isso não era importante, a utopia que se realiza não é utopia. Como dizia Karl Mannheim ideologia e utopia sofrem de um déficit de realidade. Elas não correspondem à realidade. No caso do profeta, essa não era uma preocupação iminente, sua mensagem era parenética, se destinava a encorajar e confortar e não a fornecer uma descrição do futuro.
A UTOPIA DA VOLTA DE ELIAS.
Dentre as muitas utopias que podemos encontrar no texto bíblico, uma delas e que guiou o povo de Israel em meio aos momentos mais difíceis de sua caminhada, foi a utopia da esperança da volta de Elias. O profeta Malaquias lançou mão desse personagem que com a sua morte deixou o povo órfão, para trazer o conforto de que ele voltaria para ajudar o povo a encontrar sua redenção. “Eis que vos envio o profeta Elias, antes que venha o dia grande e terrível do Senhor; E converterá o coração dos pais aos filhos, e o coração dos filhos a seus pais; para que eu não venha, e fira a terra com maldição." (Malaquias 4:5-6)
Não precisamos questionar o sentido teológico desse texto para entender que se trata de uma expectativa utopista, Elias jamais voltou em momento algum da história do povo de Israel, mas a esperança de sua volta foi um elemento importante para mater o sonho de um novo tempo que viria, embora não se soubesse quando.
A UTOPIA DO PARAÍSO TERRESTRE:
Segundo Carlos Masters em seu livro: “Paraíso Terrestre: saudade ou esperança” o paraíso terrestre não esta no passado, trata-se de um mundo ideal, pintado pelo autor da narrativa no Gênesis, sem os pecados do mundo que o cercava e projetado num passado mítico. Essa descrição nos releva que o paraíso terrestre longe de ser um lugar no qual fatos históricos se desenrolaram, é na verdade, um projeto utópico de um mundo ideal, no qual as mazelas do mundo que afligem o homem são excluídas dessa sociedade. Uma leitura literal desse texto nos lança num limbo histórico, tendo em vista que não se pode atestar a sua veracidade em razão da inexistência de qualquer modelo idêntico em qualquer momento ou em qualquer lugar no mundo.
A UTOPIA DO REINO DE DEUS NA TERRA:
Jesus sonhou com um mundo diferente e justo, ao falar da possibilidade de um “reino de Deus” na terra, muito embora seja evidente que ele não se realizou. A semente plantada por Jesus de um mundo marcado pelos valores do reino de Deus ainda continua como um ideal a ser perseguido pelas gerações do presente e do futuro, ela nos ajuda a caminhar, já que esse é em última instância o papel da utopia. Mas sejamos realistas, onde esta o reino de Deus que como dizia Jesus “já estava entre (ou no meio) de vós?” Segundo Leonardo Boff, “Uma sociedade não vive sem utopias, isto é, sem um sonho de dignidade, de respeito à vida e de convivência pacífica entre as pessoas e povos. Se não temos utopias nos perdemos nos interesses individuais e grupais e perdemos o sentido do bem viver em comum. [ ] a utopia que pode reencantar a vida é uma relação de reverência e respeito com toda a vida, de sinergia com as forças da natureza, de hospitalidade com todos os seres humanos e de convivência na diversidade de culturas, religiões e de visões de mundo”.[2]
Gosto da opinião de Juarez Ferreira de Jesus quando diz que : “utopia” [ ] é uma proposta que não cabe onde há um sistema imperando. Utopia não tem lugar neste tempo. E para ocupar o seu lugar é preciso reorganizar o espaço e desarticular a hegemonia. Utopia é o sentimento motivador da realização do Reino de Deus que se constrói com a força das pessoas simples assim como podemos perceber no texto bíblico. Este Reino é o Reino da persistência, conhecimento, comunhão. Da espiritualidade e da solidariedade. É também o Reino da esperança. Ele não tem lugar em nossa sociedade. Mas, nós podemos antecipar a reorganização da nossa sociedade e reavaliar nossos valores”[3] Tenho a impressão que as utopias servem para isso mesmo, para que não deixemos de sonhar e caminhar. Depois de tantos sistemas teológicos construídos, talvez seja tempo de pensar na possibilidade de uma Utopia Teológica, ou quem sabe de uma Teologia Utópica para nos guiar nesse tempo.
[1] José Tolentino Mendonça. Cristianismo e utopia. Disponível em http://www.snpcultura.org/vol_entrevista_jose_tolentino_mendonca.html
[2]Leonardo Boff: ‘Se não temos utopias, nos perdemos nos interesses individuais” http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&cod=34666
[3] Juarez Ferreira de Jesus. Uma Utopia Possível. Disponível em http://www.metodista.br/pastoral/reflexoes-da-pastoral/uma-utopia-possivel