“Se a Igreja continuar a fazer o que está fazendo atualmente, e a ser o que é hoje, então não terá futuro. Suas belas igrejas e magníficas catedrais tornar-se-ão monumentos sepulcrais, túmulos de Deus e do cristianismo”.[1]
A frase acima foi escrita por Adolfs Roberts em 1967, ou seja, a exatos 43 anos, e já trazia em seu bojo preocupações inquietantes em relação ao futuro da Igreja. A frase lapidar representa em última análise um perigoso vaticínio para os futuros sonhos do cristianismo. Um olhar sobre a Igreja nesse começo de milênio, deve nos levar a uma corajosa pergunta, qual seja: o que esse prognóstico eclesiástico tem a ver com o nosso tempo?
Nos últimos dias tenho recebido dezenas de E-mails, que acredito já cheguem a uma centena, todos eles frutos de um intenso debate travado na mídia e trazem juízos de valores divergentes sobre temas que a meu ver não mereciam tanta atenção. Tenho tentado não me envolver nessa polêmica, que em síntese diz respeito apenas às filigranas da religião e que de certa forma nos entorpecem e nos levam a fechar os olhos para os reais problemas que afligem a sociedade. Tenho me perguntado sem resposta: Que importância tem os assuntos tratados em nossas Igrejas, muitos com acaloradas emoções, para aqueles que vivem fora do gueto no qual a igreja se fechou? Qual a contribuição que a igreja está fornecendo para tornar esse mundo melhor.
Muita gente tem se perguntado: por que será que atualmente as pessoas não querem mais ficar na Igreja? A resposta é simples, ela tem se tornado um ambiente inóspito, de censura, recriminação e seu discurso iminentemente castrador. Dessa forma, as pessoas são atraídas para a igreja, mas com o tempo, cansados, machucados, decepcionados e feridos, se afastam e muitas vezes para sempre.
Desde que Nietzsche proclamou a morte de Deus, e isso já faz muito tempo, talvez seja a hora de anunciar outro funeral. Parafraseando o filósofo diríamos - Para onde foi a Igreja? já lhes direi ! Ela se suicidou – A Igreja está morta! A Igreja continua morta! Ela se matou![2]
Talvez não tenhamos nos apercebido mas a igreja em sua versão católico/evangélica chegou ao início do terceiro milênio de sua caminhada. Já não se trata de uma comunidade desconhecida nascendo na palestina do século I, nem daquela igreja poderosa que carregava nas costas (a exemplo do Atlas grego) os destinos de toda uma Europa medieval. Os tempos são outros; novos problemas e dilemas se apresentam e desafiam a igreja a demonstrar os seus valores e a marcar o mundo no qual está inserida, não com velhos discursos baseados em textos antigos, e sim com uma práxis relevante, viva e atual. Acontece que apesar do crescimento numérico, a Igreja não consegue moldar o mundo com os valores éticos ensinados por Jesus.
O desencanto tomou conta de mim e resolvi reler alguns textos que há algum tempo escrevi e aos quais recorro aqui. Em um dos meus artigos escrevi.
“Chegamos ao início do terceiro milênio; acredito que o cristianismo enfrenta agora talvez o seu maior dilema, qual seja: o desafio de reler a sua trajetória desde o seu nascedouro até aqui; a tarefa de fazer uma re-visão de sua missão no mundo e buscar uma via alternativa para o futuro”.[3]
Pois bem, diante dos últimos acontecimentos envolvendo a Igreja evangélica em sua relação com a política no Brasil, começo a duvidar que ela seja capaz de realizar essa missão. Confesso, com um certo desânimo, que me sinto frustrado com o passado, desencantado com o presente e pessimista em relação ao futuro. Os últimos acontecimentos mostram uma igreja envolta em uma situação psicanalítica curiosa, para não dizer preocupante. A guerra de vaidades travada no meio evangélico especialmente entre os telepastores e veiculada em emails, blogs, TVs, e similares, e as muitas denúncias envolvendo padres católicos e os escândalos éticos envolvendo pastores, dão conta de que a igreja oscila no limite entre a lucidez e a loucura, e de certa forma deixa aparecer a nudez que por muito tempo tratou de esconder.
A razão desse desconforto se encontra em uma certa hipocrisia sustentada por tabus e preconceitos cultivados ao longo do tempo e mantidos por meio de chantagens emocionais, recompensas e castigos. “não é de se estranhar que na atualidade, a igreja tenha perdido a sua relevância e já se verifique um certo desalento em relação à religião enquanto instituição religiosa”.[4]
Ao longo de sua história, o cristianismo fez opção pelo moralismo casuístico e vem ocupando o tempo com minudências e pormenores da religião, em outras palavras, em coar mosquitos. Para ilustrar o que digo, transcrevo aqui parte de texto que escrevi sobre o assunto:
A história da Igreja está recheada de atitudes que muitas vezes consome as energias e enfraquece a sua influência no mundo, a exemplo da luta histórica da Igreja para perseguir os hereges, as bruxas (muitos queimados nas fogueiras) e os liberais que ousaram contestar a palavra de Deus. Podemos dizer que a Igreja se especializou em coar os mosquitos doutrinários, que de forma nenhuma podem ser tolerados, no entanto os camelos passam despercebidos[5]
Sinceramente, e com certa tristeza, vejo que o sonho de Jesus de uma igreja “sal, luz e fermento”, portadora dos valores do reino que se arrasta como uma “rede” apanhando todo tipo de peixe, naufragou no modelo puritano de uma igreja pura, imaculada, separada do mundo e conseqüentemente indiferente aos seus clamores. Confesso que já sonhei com uma igreja encarnada diferente e capaz de fazer diferença; não essa diferença marcada pelo isolamento, preconceituoso, cheio de julgamentos e condenações e sim uma diferença ética em favor de mudanças substantivas, especialmente em benefício dos mais necessitados. Em um dos meus devaneios escrevi: “Penso em uma Igreja que seja Espiritual, sem deixar de ser humana, que olhe para cima sem se esquecer da terra, onde a preocupação com o céu e inferno não seja motivo para esquecer as mazelas que afligem os homens aqui e agora” [6]. Eu acreditava na possibilidade dessa igreja vir a existir, eu anelava pela sua presença, coisa que já não acredito mais.
Sonhei também com uma igreja apaixonada pelo mundo, nos moldes do amor divino que “amou o mundo de tal maneira”, mas vejo uma igreja de costas para o mundo, com os olhos voltados para o passado e alheia aos problemas do presente. Acredito que “é necessário que a Igreja se apaixone pelo mundo, não como o lugar da ação dos demônios e sim como o lugar onde o reino de Deus está sendo edificado” [7] Já não dá para continuar com esse discurso extraterreno, que a cada dia revela a sua inutilidade para o mundo moderno.
Já não é fácil distinguir uma igreja de um supermercado, elas viraram verdadeiras pizzarias espirituais, onde as bênçãos são vendidas por telefone. Atualmente a certeza da vitória é medida pelos comprovantes de depósito nas contas bancárias de determinados empresários da fé. Nessa verdadeira feira de bens simbólicos:
as igrejas se transformaram em verdadeiros mercados de espiritualidade que comercializam a graça em gôndolas sagradas. A Fé foi transformada em moeda de troca para se adquirir o favor divino. Pastores foram transformados em executivos da fé, preocupados em atender a clientes insatisfeitos em busca de novos produtos, [8]
Ministérios mambembes, verdadeiros camelôs da fé circulam pelo Brasil, ensinando “segredos” para conquistar prosperidade instantânea. Com base em uma hermenêutica pouco convencional do princípio da semeadura, ensinam que se você quer prosperar precisa investir em seus ministérios. Dessa forma enriquecem às custas de pessoas incautas que acreditam que descobriram as chaves divinas para o enriquecimento rápido e fácil.[9] Em nome de Deus, proclamam o calote de dívidas e depósitos milagrosos de dinheiro nas contas bancárias. È a versão evangélica dos Hackers cibernéticos.
Depois dessa breve reflexão, cheguei a uma dura conclusão, à qual me recusava a chegar: Assistimos hoje as exéquias de um cristianismo que feneceu e ainda permanece insepulto e talvez já seja tempo de escrever numa lápide do cemitério da vida o seguinte epitáfio: “Esse é o túmulo do Cristianismo e aqui descansa em paz o Corpo de Cristo”.
[1] ADOLFS, Robert, Igreja, Túmulo de Deus?. p. 64
[2] NIETZCHE, Friedrich. A Gaia Ciencia § 125 p. 48
[3]AZEVEDO, Neilton. Religião, Utopia e Esperança: Um projeto de Teologia Libertadora no Contexto Nordestino. Texto não publicado
[4]AZEVEDO, Neilton. Crepúsculo do Fundamentalismo Religioso (Preâmbulo para uma teologia iconoclasta) Texto disponível em: http://sagradofilosofico.blogspot.com/2009/01/crepsculo-do-fundamentalismo-religioso.html
[5]AZEVEDO, Neilton. Sal, Mosquitos e Camelos. Texto Disponível em: http://sagradofilosofico.blogspot.com/2009/02/sal-mosquitos-e-camelos.html
[6]AZEVEDO Neilton. Em Busca de uma Eclesiologia Encarnada. Texto Disponível em: http://sagradofilosofico.blogspot.com/2009/01/em-busca-de-uma-eclesiologia-encarnada.html
[7] Idem.
[8] AZEVEDO, Neilton. Disk Bênçãos e Milagres, A era do Cristianismo Delívery. Texto Disponível em: http://sagradofilosofico.blogspot.com/2009/03/disk-bencaos-e-milagres-era-do.html
[9] Cf. AZEVEDO, Neilton, Hackers Espirituais, ou a Sacralização do Calote? Texto disponível em: http://sagradofilosofico.blogspot.com/2009/02/hackers-espirituais-ou-sacralizacao-do.html
TEXTOS CONSULTADOS:
ADOLFS, Robert, Igreja, Túmulo de Deus? Tradução de Rodolfo Konder, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1968.
NIETZCHE, Friedrich. A Gaia Ciência. São Paulo: Cia das Letras, 2004.
AZEVEDO, Neilton. Sal, Mosquitos e Camelos. Texto Disponível em: http://sagradofilosofico.blogspot.com/2009/02/sal-mosquitos-e-camelos.html
AZEVEDO, Neilton. Em Busca de uma Eclesiologia Encarnada. Texto Disponível em: http://sagradofilosofico.blogspot.com/2009/01/em-busca-de-uma-eclesiologia-encarnada.html
AZEVEDO, Neilton. Crepúsculo do Fundamentalismo Religioso (Preâmbulo para uma teologia iconoclasta) Texto disponível em: http://sagradofilosofico.blogspot.com/2009/01/crepsculo-do-fundamentalismo-religioso.html
AZEVEDO, Neilton. Hackers Espirituais, ou a Sacralização do Calote? http://sagradofilosofico.blogspot.com/2009/02/hackers-espirituais-ou-sacralizacao-do.html