Todos os anos as coisas se repetem na Páscoa. Ovos, peixes, vinhos, encenação da paixão de Cristo, cerimônias religiosas, penitência, procissões, etc. Tudo isso acontece dentro da moldura cujo quadro é a morte de Jesus. Confesso que já me cansei dessa hipocrisia que domina a sociedade nesses dias, dessa falsa espiritualidade encenada travestida de piedade cristã. Quero uma páscoa invertida, onde a atitude não seja a de presentear ovos de chocolate para aqueles que efetivamente não precisam; uma verdadeira pândega onde aqueles que podem se esbaldam numa gastança desenfreada que denuncia indiferença, egoísmo e falta de solidariedade. Na páscoa invertida, nesse dia, aqueles que têm, repartem com os mais desafortunados da vida. O presente não é para a família, para os amigos e sim para pessoas anônimas. Afinal Cristo não veio apenas para atender seus familiares e amigos; na verdade ele se deu pelos mais necessitados do seu tempo. Na páscoa invertida a sexta feira não é dia de comer peixe, e sim de proteger os rios, os peixes, as águas, os mares, os corais. Nessa páscoa celebra-se a vida, incluindo-se aqui o respeito para com os animais e o cuidade com a natureza. Acredito ser essa uma ação muito mais condizente com o espírito do cristo, cuja atitude na cruz denuncia essa ação deletéria de matar, representada na crucificação. Numa páscoa invertida não há lugar para a celebração da morte; ela deve ser lembrada em silêncio, na intimidade de cada um, sem encenações espetaculares com a atores globais, etc, cujo custo não sei precisar. Nessa páscoa, deve-se olhar para os milhares de "cristos" anônimos, crianças, viúvas, idosos, todo tipo de miseráveis que gemem "crucificados" pela sociedade atual; ainda vivos, porém vivendo seu calvário particular. Esse espetáculo já é suficiente para uma páscoa ao avesso. Uma páscoa invertida não demanda cerimônias religiosas, atos de penitência, nem procissões. Nessa páscoa, os cultos e missas com seus derivados são substituídos por gestos de caridade, pela descida aos grotões, às favelas, aos casebres que nesse dia assistem atônitos suas panelas vazias; os atos de penitência repetidos muitas vezes até derramar o sangue do penitente, deve ser trocado por um grito em defesa das tantas vítimas da violência, pessoas inocentes cujos nomes não podem ser aqui elencados; sangue derramado que todos os dias continua a verter e que deve causar vergonha e tristeza o suficiente para que não precisemos celebrar qualquer tipo de violência. Procissões se transformam em passeatas pela paz, pela justiça e pelo fim da corrupção. Essa páscoa se parece muito mais com a vida e resgata as atitudes daquele homem crucificado em Jerusalém. Essa páscoa não existe. Talvez jamais venha a existir. Ela não passa de uma quimera, um delírio que não pode subsistir aos apelos da mídia e dos anúncios comerciais. Eu sei disso! Mas acredite: uma páscoa assim eu celebraria com muito mais entusiasmo.
NA GALÁXIA DE GUTEMBERG
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NA GALÁXIA DE GUTEMBERG
Marcos Monteiro
Desde a invenção da imprensa, os tipos móveis aumentaram a nossa capacidade
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