O cristianismo não é uma religião do livro”. A frase não é minha, eu a tomei emprestada de Frei Bento Domingues, e foi extraída do artigo “Sem lugares sagrados” [1] Confesso que me encantou pela originalidade, concisão e pela profundidade com que diz tanto em tão poucas palavras.
O Cristianismo realmente não é uma religião do livro! Mais do que nunca precisamos ter essa verdade bem clara em nossas mentes. No entanto, se “o cristianismo não é uma religião do livro”, como de fato não é; se o seu conteúdo não consiste em observância de preceitos sagrados (não comer determinados alimentos, não trabalhar em certos dias da semana, repetir gestos, jejuar determinados dias por semana, orar virado para tal ou qual lugar, etc). Se a prática do cristianismo não se encontra explicitada em Cânones, que precisam ser observados ao pé da letra; se o ser cristão não pode ser resumido a fazer parte de determinada denominação. Há que se perguntar então: Em que consiste a essência do cristianismo? Qual deve ser então a conduta do cristão em sua caminhada no mundo?
Muitos livros já foram publicados buscando esclarecer qual seja a essência do cristianismo, muitos deles de ótima qualidade. Não podemos deixar de citar, por exemplo, Ludwig Feuerbach, que intitulou uma de suas obras como “A Essência do Cristianismo” e outra como “A Essência da Religião”. Na verdade, discernir o que seja a essência do cristianismo, é uma tarefa urgente e fundamental uma vez que dessa definição depende a nossa postura em relação à missão do cristão no mundo. Sabemos das dificuldades em se fornecer uma resposta final a tal questão, no entanto, podemos apresentar algumas possibilidades.
O CRISTIANISMO NÃO É UMA RELIGIÃO DE RÉGRAS LEGAIS E SIM UM ESTILO DE VIDA BASEADO EM PRINCÍPIOS ÉTICOS. Tenho certeza que você já ouviu esta frese de forma recorrida, ela talvez possa ser considerada um chavão. No entanto, eu a tenho como relevante, e faria muita diferença a levarmos a sério. Se o cristianismo não é uma religião, quais são os elementos basilares que o sustentam? Não seriam os ritos, os símbolos e muitos menos o sistema doutrinário, que muitas vezes se tornam a única coisa visível em alguns círculos do cristianismo moderno. Tudo isso faz parte da estrutura de uma religião. Diferentemente daquilo que efetivamente conhecemos, o cristianismo é essencialmente um sistema baseado em princípios éticos, e suas bases fundamentais são as relações interpessoais. Em sua caminhada histórica, o cristianismo se conformou em ser apenas uma religião, e mais, passou a reivindica ser a única religião verdadeira. Nesse sentido, sustenta Karl Barth ser este o grande erro do cristianismo, ter se tornado uma religião. Nesse momento nos encontramos numa encruzilhada; podemos continuar a seguir o cristianismo em seu formato religioso, ou voltar à sua essência e restaurar a sublimidade do evangelho que é exatamente a libertação das estruturas legalista que marcavam a religião judaica.
O CRISTIANISMO NÃO SE BASEIA NUMA TEORIA SOBRE O BEM E O MAL E SIM NA PRÁXIS DO AMOR AO NECESSITADO. Embora seja exatamente isso que verificamos na práxis da igreja, Isto é, uma eterna repetição de frases, textos e experiências envolvendo a luta cósmica entre o bem e o mal, não deveria, no entanto ser assim. Analisando a práxis de Jesus, verificamos que ele não perdeu tempo teorizando a existência ou não de um dualismo, não se tornou um caçador de espíritos; mesmo nos casos em que os textos fazem referencia a espíritos, na verdade Jesus não está preocupado com eles, e sim com o homem que de certa forma vivia as conseqüências de uma existência sufocada por uma religião legalista e excludente. Nessa forma cristianismo, Deus deixa de ser o Senhor, aquele que tudo governa e passa a ser visto como um conquistador, uma espécie de Gengis Khan divino, guerreando em solo inimigo a procura de despojos. Numa linguagem evangélica, “saqueando o inferno”. O cristianismo acabou por criar um demônio forte que a tudo controla e um Deus fraco, que luta desesperadamente para reconquistar o espaço perdido.
A PROPOSTA DO CRISTIANISMO É HUMANIZAR O HOMEM E NÃO ESPIRITUALIZÁ-LO. Creio que o cristianismo precisa humanizar o ser humano, quanto mais espiritual, mais humano. Lembremos que Jesus se destacou entre nós não pela sua espiritualidade e sim pela expressão máxima de sua humanidade, ninguém foi mais humano que Jesus. Historicamente o cristianismo tem se esforçado para espiritualizar o homem, e nessa busca, se voltou para a metafísica, para o “mundo espiritual”, e passou a combater pretensas forças espirituais, que supostamente são responsáveis pelas mazelas do mundo. Essa concepção determinista/fatalista lançou o homem em uma aventura cósmica, a viver em um mundo assombrado por espírito onde o mal é a regra e o bem a exceção e mais do que isso, gerou uma espiritualidade desencarnada e descomprometida com o mundo real. Creio que o evangelho não pode ser visto apenas como um projeto para a outra vida, ele precisa fazer diferença aqui e agora.
Quais são as implicações de uma re-visão acerca da essência do cristianismo? Talvez ela nos traga uma amarga constatação, de que a história da Igreja nesses dois milênios, tem sido uma caminhada para longe do verdadeiro cristianismo, e talvez cheguemos à conclusão de que somos bons religiosos, porém, talvez nem sejamos verdadeiramente cristãos.
[1] Artigo publicado no blog da Universidade Lusofona, disponível para consulta em vernáculo em http://teologizar.blogs.sapo.pt.
NA GALÁXIA DE GUTEMBERG
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