A marca da santidade sempre se apresentou como distinção de tudo aquilo que permeie a esfera do profano, sendo que os dois termos até mesmo são auto-escludentes, não podem permanecer no mesmo espaço sob hipótese nenhuma. Por outro lado, tem-se por certo que na ótica da religião, tudo que for profano é essencialmente mal, ao contrário tudo de bom tem o selo do sagrado. Talvez numa atitude de revanche o materialismo, mesmo sem se ater aos termos supra, proclamou a superioridade do profano sobre o sagrado, decretando a nulidade da religião com seus símbolos e congêneres.
Pois bem proponho uma reconciliação, entre as partes, de forma a pensar numa santidade profana, e em seu reverso também na sagração do profano.
Inicialmente quero pensar nas muitas imagens criadas historicamente pelas religiões que divide o mundo em duas partes, o mundo material e o espiritual, e numa contribuição platônico-gnóstica, concebemos o mundo material como essencialmente mau e a realidade espiritual como eminentemente boa, daí, as muitas neuroses que se desenvolveram no meio religioso especialmente no cristianismo e em particular no evangelicalismo; devemos rejeitar tudo que não for material como mundano diabólico e pernicioso para a fé. O resultado foi que criamos pessoas esquizofrênicas, em conflito consigo mesmas, com o mundo em que vive, negando suas emoções reações e sentimentos, levados pelo medo de “agradar a carne”.
Creio firmemente que as coisas podem ser diferentes, que o mundo é um só e que espiritual e material são apenas convenções que utilizamos para distinguir a realidade material daquela que chamamos imaterial, e que elas não são boas ou más em si mesmas, chego a acreditar que elas são apenas meios onde a bondade e maldade se manifestam.
Outra importante expressão dessa deformação da realidade encontramos no conceito de coisas sagradas e profanas. Entende-se por sagrado, santo, santificado, etc. A idéia de coisas que receberam a visitação de seres divinos ou divinizados cuja manifestação conferiu determinadas qualidades transmissíveis aos fiéis. Nesse sentido temos lugares sagrados, pessoas santas e espaços sacros, objetos bentos, que não pode se misturar com a realidade profana que ao tocá-la pode conspurcá-la, poluindo a sua pureza.
Penso que sagrado e profano são dois lados de uma mesma moeda, seu reverso, de forma que o sagrado sem o profano se platoniza, se desencarna e existe apenas como realidade etérea, sem implicações na realidade concreta. Por outro lado, o profano que não se deixa nutrir pelo sagrado, também se torna estéril, sem vida e sem motivações. Proponho uma realidade na qual sagrado e profano se misture, como o fermento na massa, o resultado pode ser diferente, porém muito mais aconchegante. É a reconciliação entre dois extremos numa nova melodia, num novo poema, é o desnudar de um novo tempo.