Um dos fariseus convidou-o para comer com ele; e entrando em casa do fariseu, reclinou-se à mesa. E eis que uma mulher pecadora que havia na cidade, quando soube que ele estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um vaso de alabastro com bálsamo; e estando por detrás, aos seus pés, chorando, começou a regar-lhe os pés com lágrimas e os enxugava com os cabelos da sua cabeça; e beijava-lhe os pés e ungia-os com o bálsamo. Mas, ao ver isso, o fariseu que o convidara falava consigo, dizendo: Se este homem fosse profeta, saberia quem e de que qualidade é essa mulher que o toca, pois é uma pecadora. (Lucas 7: 36-39)
No episódio narrado no texto Jesus é questionado por um fariseu pelo fato de aceitar os afetos de uma prostituta, tendo a sua identidade profética colocada em dúvida, “Se este homem fosse profeta, saberia quem e de que qualidade é essa mulher que o toca, pois é uma pecadora”. Ontem como hoje, aqueles que se propõem a aceitar os excluídos são condenados, tendo a sua espiritualidade colocada em dúvida.
Muito bem! Correndo o risco de também ser condenado, me proponho a fazer uma breve reflexão sobre essa querela envolvendo a igreja evangélica e os homossexuais.
Nos últimos dias temos sido bombardeados por emails e documentos prós e contra a decisão do STF que equiparou as relações homo afetivas à união estável, garantindo aos homossexuais o direito de se constituir em família, na mesma linha recrudesceu também o debate em torno da PL122.
Embora tenha recebido forte resistência dos diversos seguimentos religiosos, especialmente da Igreja católica e de grupos evangélicos, creio que precisamos desarmar os ânimos e olhar a questão pela ótica jurídica e não com os óculos da religião.
Tenho acompanhado as manifestações contra a PL 122 e acredito que ninguém defende nem recomenda a homossexualidade como prática, no entanto, ela é uma realidade e nenhum manifesto vai mudar isso. Condenar a homossexualidade não resultou em sua extinção, ela existe desde os tempos mais antigos e não vai acabar agora por causa da indignação dos evangélicos.
Inicialmente é preciso dizer que não se trata de ser a favor ou contra o homossexualismo, a matéria se volta para o indivíduo, que não pode ser alvo de atitudes preconceituosas pelo fato de ser gay. Pessoalmente tenho minhas reservas quanto ao homossexualismo, mas não acredito que tenha direito de impor minha visão a todas as pessoas.
Devemos ter em mente que não somos os “donos” do evangelho, nem possuímos as suas chaves para dizer que pode ou não entrar ou sair dele.
Historicamente o evangelho representou a libertação dos excluídos. Na época do novo testamento, a religião segregava todos aqueles considerados impuros, os pagãos (chamados de pecadores), os cegos, paralíticos leprosos, publicanos, os que exerciam atividades consideradas degradantes (curtidores, açougueiros e recolhedores de peles de cachorros) entrava nessa lista ainda, crianças, mulheres que eram alijadas de aprender a lei.
Historicamente a igreja vem se debatendo com grupos marginalizados e que atualmente estão plenamente integrados na comunhão, a exemplo dos divorciados, amasiados, conviventes, prostitutas, drogados, artistas, surfistas, etc.
Precisamos entender que o Brasil não é uma república cristã. O Brasil é um país laico, e não podemos querer que se governe com a Bíblia, ela é um guia para os cristãos, mas convivemos com ateus, espíritas, sem religiões, muçulmanos, budistas, e essas pessoas não podem ser obrigadas a seguir a Bíblia. O Brasil tem leis e estas leis servem para garantir a convivência.
Tenho percebido que aqueles que se colocam na trincheira religiosa em uma verdadeira guerra santa, com manifestos, abaixos assinados, discursos inflamados têm feito uso de textos bíblicos retirados de seus contextos, sem qualquer preocupação hermenêutica, para condenar e satanizar os homossexuais. Se formos nos basear em textos isolados para dizer quem entra ou não nos céus, podemos dizer que pouca gente vai entrar. A começar com o que preceitua o livro de Apocalipse em seu capítulo 12 onde estabelece que os 144 mil escolhidos “NÃO SE CONTAMINARAM COM MULHERES, POIS SÃO VIRGENS”. Nesse caso, ficarão de fora todas as mulheres e os não virgens.
Precisamos olhar para a história não apenas como um velho repositório de fatos ocorridos no passado, precisamos aprender com ela para não repetir os erros do passado.
Como dizia Voltaire “Posso não concordar com nenhuma das palavras que você disser, mas defenderei até a morte o direito de você dizê-las.
Defender o direito dos excluídos deveria ser uma bandeira dos cristãos, mesmo que aquilo que fazem possa parecer errado aos nossos olhos, desde que esse erro não traga prejuízos a outras pessoas, e nesse caso, não vejo como um direito concedido aos, homo, bi trans ou qualquer outro possa ferir o direito dos héteros, afinal, ninguém esta obrigando ninguém a ser gay ou mesmo a concordar. Afinal, Deus deu a liberdade a todas as pessoas mesmo para errar.
Quanto aos conteúdos ventilados, merece uma breve reflexão, em busca de alguns esclarecimentos.
Primeiro é preciso esclarecer que a decisão tomada pelo STF não trata de matéria religiosa como se pode ver dos votos dos ministros[1] para Cármen Lúcia: Condenou "atos de covardia e violência" contra minorias, como os impostos aos casais homossexuais, para ela, o direito constitucional tem também por objetivo combater "todas as formas de preconceito".
Joaquim Barbosa entende que não há na Constituição "qualquer alusão ou proibição ao reconhecimento jurídico das uniões homoafetivas". "Todos, sem exceção, tem direito a uma igual consideração".
Para Ellen Gracie "Uma sociedade decente é uma sociedade que não humilha seus integrantes. O tribunal lhes restitui o respeito que merecem, reconhece seus direitos, restaura sua dignidade, afirma sua identidade e restaura sua liberdade", disse a ministra.
Celso de Mello: nenhum cidadão pode ser privado de seus direitos por ser homossexual, sob pena de estar inserido em um regime de leis "arbitrárias e autoritárias". "Ninguém, absolutamente ninguém pode ser privado de seus direitos nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual. Isso significa que também os homossexuais têm o direito de receber a igual proteção das leis e do sistema político-jurídico instituído pela Constituição Federal, mostrando-se arbitrário e autoritário qualquer estatuto que puna, discrimine (...) e que desiguale as pessoas em razão de sua orientação sexual", disse.
Quais são os direitos que a equiparação da relação homoafetiva à União Estável trouxe.
Comunhão parcial de bens: Conforme o Código Civil, os parceiros em união homoafetiva, assim como aqueles de união estável, declaram-se em regime de comunhão parcial de bens
Pensão alimentícia: Assim como nos casos previstos para união estável no Código Civil, os companheiros ganham direito a pedir pensão em caso de separação judicial
Pensões do INSS: Hoje, o INSS já concede pensão por morte para os companheiros de pessoas falecidas, mas a atitude ganha maior respaldo jurídico com a decisão
Planos de saúde: As empresas de saúde em geral já aceitam parceiros como dependentes ou em planos familiares, mas agora, se houver negação, a Justiça pode ter posição mais rápida
Políticas públicas: Os casais homossexuais tendem a ter mais relevância como alvo de políticas públicas e comerciais, embora iniciativas nesse sentido já existam de maneira esparsa
Imposto de Renda: Por entendimento da Receita Federal, os gays já podem declarar seus companheiros como dependentes, mas a decisão ganha maior respaldo Jurídico
Sucessão: Para fins sucessórios, os parceiros ganham os direitos de parceiros heterossexuais em união estável, mas podem incrementar previsões por contrato civil
Licença-gala: Alguns órgãos públicos já concediam licença de até 9 dias após a união de parceiros, mas a ação deve ser estendida para outros e até para algumas empresas privadas
Adoção: A lei atual não impede os homossexuais de adotarem, mas dá preferência a casais, logo, com o entendimento, a adoção para os casais homossexuais deve ser facilitada. [2]
Como se pode ver, a decisão do STF não tem qualquer cunho religioso e não há na proposta qualquer direito que conflite com a religião, com a igreja ou mesmo com qualquer valor moral. Dessa forma, não se justifica tamanha movimentação dos evangélicos, com manifestos, idas a Brasília, passeatas, etc.
A pergunta que precisamos fazer é: será que os homossexuais são as últimas pessoas que devem permanecer excluídas do evangelho? Até quando?
[1] Por unanimidade, STF reconhece união estável gay. http://noticias.terra.com.br/brasil/noticias/0,,OI5113766-EI306,00-%20Por+unanimidade+STF+reconhece+uniao+estavel+gay.html
[2] Naiara Leão, Fernanda Simas e Danilo Fariello, Veja os direitos que os homossexuais ganham com a decisão do STF. Texto Disponíel em : http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/veja+os+direitos+que+os+homossexuais+ganham+com+a+decisao+do+stf/n1300153607263.html
4 comentários:
Grande proféssor,
Beleza de texto. Esclarecedor. Coloca as coisas em seus devidos lugares. Gostaria de destacar duas falas que considerei muito importantes:
"Precisamos entender que o Brasil não é uma república cristã. O Brasil é um país laico, e não podemos querer que se governe com a Bíblia, ela é um guia para os cristãos, mas convivemos com ateus, espíritas, sem religiões, muçulmanos, budistas, e essas pessoas não podem ser obrigadas a seguir a Bíblia. O Brasil tem leis e estas leis servem para garantir a convivência."
"Como se pode ver, a decisão do STF não tem qualquer cunho religioso e não há na proposta qualquer direito que conflite com a religião, com a igreja ou mesmo com qualquer valor moral. Dessa forma, não se justifica tamanha movimentação dos evangélicos, com manifestos, idas a Brasília, passeatas, etc."
Parabéns, meu amigo. Como de costume, excelente texto. Claro, bem escrito, pé-no-chão, centrado e comprometido com os valores de justiça social que tanto marcaram a caminhada do Nazareno.
Recomendação: se o autor pretende adotar uma postura inclusiva frente aos homossexuais, o mesmo deveria começar pela terminologia - em lugar de escrever "homossexualismo", o autor deveria escrever "homossexualidade", ou "homoafetividade". Defender uma postura inclusiva e usar uma terminologia arcaica é contraditório. Vide a "análise do discurso". Em suas idéias principais, estou com você!
Anônimo, agradeço imensamente as considerações feitas ao texto, elas são bem vindas. No entanto, é possivel fazer distinça entre as terminologias apresentadas: homossexualidade (tem a ver com a sexualidade do indivíduo, atração pelo mesmo sexo) homoafetividade (Atração pelo mesmo sexo, sem que necessáriamente envolva a prática sexual)e homossexualismo (que se refere à prática dessa sexualidade) O sufixo ismo não pode ser visto apenas pela ótica médica de doença, assim, como o jornal-ismo, catolic-ismo, espirit-ismo, denota a natureza de que pratica determinada atividade. Não tem nada de arcáico, contraditório nem pejorativo no texto. Ele respeita as diferenças e o direito de cada um exercer a sua sexualidade da forma que melhor lhe aprouver. O que não se pode aceitar é a imposição de uma homoditadura, inclusive determinado que terminologias podem ou não serem usadas, acho que isso já extrapola os limites dos direitos que todos possuem.
De qualquer forma, este autor recebe com humildade as críticas aqui postadas.
Jeyson, velho mano. Obrigado pelos comentários, sua gentileza me comove.
Postar um comentário