“Aquele que estiver sem pecado seja o primeiro a atirar a pedra” (Jesus)
Dois episódios recentes um envolvendo o pastor Ricardo Gondim e outro, a Pastora Odja Barros[1], revelaram as entranhas de um verdadeiro cristianismo farisaico e serviu para mostrar toda a hipocrisia e a maldade que permeia o coração de muitos cristãos que se escondem por trás de máscaras de santidade, de ortodoxia, de defesa da fé; que agem de forma impiedosa e cruel, que não se importam em agredir e macular a imagem de pessoas que deveriam proteger, pelo simples fato de serem parte da família. Segundo Jesus, a identidade do cristão deveria ser o amor, no entanto, a intolerância religiosa tem sido a marca do cristianismo moderno, calcado na fé, porém destituído de amor; que prega a paz, mas se alegra em perseguir, ferir, machucar, julgar e sentenciar aqueles que pensam de forma diferente; que permanece insensível à dor e ao sofrimento alheio.
Em um texto publicado recentemente, Frei Beto pronunciou uma palavra que considero emblemática: “Prefiro um ateu que ama o próximo a um devoto que o oprime” Sinceramente acho preferível um ateu, agnóstico ou mesmo um sem religião que seja compassivo, a um cristão intolerante, raivoso e soberbo, como muitos que temos visto nos últimos dias. Tenho dúvidas que se possa considerar como cristãos, pessoas cujas palavras são sempre ásperas, duras, maldosas cheias de julgamento e impiedade. Embora estejamos separados por dois mil anos, há que se perguntar: em que o fundamentalismo religioso atual difere do farisaísmo antigo?
Os fundamentalistas criticam os fariseus por suas condutas em relação a Jesus, taxando-os de radicais, de viver uma religiosidade aparente, mas na prática se comportam do mesmo jeito. Basta olharmos para a Bíblia que muitos acreditam defender, para ver que ela na verdade denuncia o quão distante tais atitudes se encontram do espírito do evangelho. Agimos hoje muito mais próximos do espírito fanático do farisaísmo que das orientações do evangelho; mais próximos da agressividade dos apóstolos, que munidos da fé indagaram: Senhor, queres que digamos que desça fogo do céu e os consuma, como Elias também fez?, que da atitude compassiva do mestre que os repreendeu dizendo “Vós não sabeis de que espírito sois” (Lucas 9:51-56). Para os apóstolos, a recusa dos samaritanos de receber a Jesus justificava a morte deles, afinal eram pecadores, incrédulos e impuros. A religiosidade farisaica ama a doutrina, o grupo e as convicções religiosas mais do que as pessoas, de forma que para defender a fé, e os postulados da sua doutrina, não se importa em matar e em destruir em nome de Deus.
Tais atitudes revelam a enfermidade que se instalou no meio do “corpo de Cristo” em sua caminhada. Jesus teve a sua autoridade questionada pelos fariseus “Se esse homem fosse profeta saberia quem é essa mulher”. Luc 7: 39; as Cruzadas foram realizadas em nome da fé, para matar os infiéis e libertar o túmulo de Cristo; a Inquisição foi criada para combater as heresias, purificando a igreja dos hereges que ousavam pensar diferente; As bruxas foram queimadas para evitar que atraíssem o castigo de Deus sobre os fiéis, bons, puros e imaculados; em Genebra os incrédulos e hereges eram queimados na fogueira para defender a fé. O festejado Lutero só escapou da fogueira acusado de heresia, por ter recebido a proteção dos príncipes.
Algumas características do farisaísmo antigo são ainda bastante atuais em nossos dias, dentre estas: DISPOSIÇÃO PARA JULGAR E CONDENAR: os fariseus adoravam apanhar as pessoas e levarem-nas a julgamento para condená-las e apedrejá-las; foi assim com a mulher adúltera. Outra marca dos fariseus era a capacidade de se escandalizarem: em diversos momentos as palavras de Jesus soaram nos ouvidos dos fariseus com heresia e ofensa às leis de Deus, como registra Mateus 15:1-12 “Por que transgridem os teus discípulos a tradição dos anciãos? pois não lavam as mãos, quando comem” (v. 2) Para Jesus: “Não é o que entra pela boca que contamina o homem; mas o que sai da boca, isso é o que o contamina” (v. 11) “Então os discípulos, aproximando-se dele, perguntaram-lhe: Sabes que os [fariseus], ouvindo essas palavras, se escandalizaram?”; (v.12). Jesus foi chamado de blasfemo, impostor, comilão, beberrão, mentiroso, transgressor da lei; endemoniado, de não cumprir a tradição, amigo de pecadores, em outras palavras um falso profeta.
ATITUDE DE SANTIDADE E ESPIRITUALIDADE SUPERIOR: Os fariseus eram os mais puros, mais espirituais, dizimistas fiéis, faziam jejum, davam esmolas, oravam em público para que todos soubessem que eram piedosos. Julgavam-se melhores que os outros. mais fiéis, cumpridores da Lei e não admitiam outra forma de viver a religião. Eram radicais em cobrar perfeição dos outros, no entanto, aquela santidade aparente não impediu que Jesus visse aí sinais de hipocrisia e os identificasse como “sepulcros caiados”. Esse tipo de espiritualidade não passa de aparência, de casca, em outras palavras, mera religiosidade estéril.
CRENÇAS CORRETAS E VERDADES ABSOLUTAS: Como no passado, os fariseus de hoje também são cumpridores rigorosos de seus deveres religiosos, das doutrinas, mas cultivam orgulho, inveja e permitem que o ódio floresça em seus corações. As verdades defendidas são absolutas, se consideram os únicos autorizados a falar em nome de Deus, são fanáticos e alimentam disposições para linchamento dos inimigos da fé. Defendem a fé sem amor nem atitude compassiva e sem misericórdia. Paulo nos ensina que fé sem amor é apenas barulho. Uma fé cega apenas alimenta ódio entre as pessoas. Como adverte Caio Fábio: “quando a missão passa a ser um fim em si mesma, surge sempre o espírito da dominação. Nesse caso, tudo aquilo que aparentemente contrarie o projeto religioso é interpretado como uma declaração de guerra, aí as armas são sacadas e é hora de fazer "fogo cair do céu".[2]
Fico impressionado com o cristianismo praticado por muitos defensores da fé. Basta ver os termos utilizados por pessoas que se dizem cristãs para se referir a pessoas que deveriam pelo menos merecer respeito. São palavras cheias de ódio acusações e condenações, que em nada lembram pessoas que se preparam para serem “arrebatadas”, que estão apenas esperando a volta de Cristo para serem “levadas para o céu”. Termos como safado, babaca, otário, filho de uma égua, imbecil, velho maluco, excremento, louco varrido, prostituta, lésbica e outros tantos. Talvez seja útil lembrar o conselho de Paulo: “Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, mas só a que for boa para promover a edificação, para que dê graça aos que a ouvem” (Efésios 4:29). Pessoas são taxadas e rotuladas como falsos profetas, enganadores, são acusadas de não serem convertidas condenadas antecipadamente ao fogo do inferno.
Ainda que todos tenham o direito de concordar ou discordar de toda e qualquer posição teológica adotada, não acho que tenhamos direito de condenar ninguém. A Bíblia, que tanto se tenta defender, diz “Não julgueis”, não retribuam mal com mal. Tiago recomenda cuidado com a língua. Pelo que vejo o Pastor Ricardo e a Pastora Odja Barros não estão obrigando ninguém a crer como eles, não estão criando uma regra para todos; eles pensam de forma diferente e precisamos ter maturidade para discordar das idéias sem atacar as pessoas.
Cremos em muitas coisas de forma diferente, basta olhar as muitas denominações existentes. Fico impressionado como se côa mosquitos e se engole camelos. Pessoas que vivem de enganar e mentir para ganhar dinheiro são reconhecidos como homens de Deus, premiados com ofertas, aviões, canais de TV e outras coisas mais. Defendo o direito de todos que discordam do pastor Ricardo, e do posicionamento da Pastora Odja Barros, mas é preciso separar as pessoas das idéias, defender aquilo que se crer, sem ofender; afinal a ninguém é dado o direito de agir como juiz com autoridade para julgar e condenar, maculando a integridade das pessoas. Diz a Bíblia: “Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados (...) porque com a mesma medida com que medirdes os outros, vós também sereis medidos” Luc. 6:37-38; “Quem és tu, para julgar o teu próximo? (Tiago 4,12). “Quem és tu para julgar o criado de outro?”(Rom.14,4)
Tenho observado que toda vez que alguém apresenta uma visão que discorda da opinião dominante, é logo taxado de herege, rotulado de sem fé, desviado do evangelho e é impiedosamente sentenciado. Como diz caio Fábio: “às vezes, sem pressentir, a gente vai se distanciando completamente do espírito amoroso, misericordioso, solidário e inclusivo de Jesus, e caímos na religião da exclusão, da vingança, do julgamento e da guerra” [3].
Acreditar de forma diferente é um direito que todos possuem. Estabelecer uma ditadura teológica de forma a obrigar todos a crerem nas mesmas coisas e da mesma forma, sob pena de ser julgado e condenado, revela um comportamento mais próximo do extremismo talibã do que do pacifismo do evangelho. Por pensar e ensinar diferente da teologia oficial foi que Jesus foi crucificado, e vejo que os crucificadores ainda continuam agindo. Pensar diferente, crer de forma diferente é um direito sagrado, concedido por Deus e ser impedido de pensar é uma violência digna dos tempos mais obscuros da história. O princípio batista da liberdade do indivíduo de crer conforme a sua consciência, tem sido vilipendiado por pessoas que acreditam ter o monopólio da interpretação bíblica de forma que suas conclusões são canônicas, dogmáticas e não admitem opinião contrária. Estou convencido de que se quisermos viver como cristãos, a primeira coisa que precisamos aprender é a respeitar as pessoas em sua liberdade, afinal, quem de nós foi nomeado por Deus como juiz? Quem quiser que se habilite. Como disse um condenado do passado: “boa medida, recalcada, sacudida, transbordante, generosamente vos darão; porque com a medida com que tiverdes medido vos medirão também”. Lucas 6:38
[1] O primeiro documento foi um vídeo de uma palestra do Pastor Ricardo Gondim que fala da volta de Jesus como Utopia, divulgado na Internet; o segundo foi um documento publicado pela Aliança de Batistas do Brasil e assinado pela sua presidente Pastora Odja Barros.
[2] D’Araújo Filho, Caio Fábio. Ame a Deus de Todo Coração. A Religião Não! http://fabiomenen.blogspot.com/2011/05/caio-fabio-ame-deus-de-todo-coracao.html
[3] Idem
3 comentários:
Grande Neilton, parabéns pelo belo e oportuno texto.
Feliz, professor Neilton, pela sua crítica inteligente, pertinente e evangélica. Feliz pelo seu exercício do pensar diferente e defender o direito de outros também poderem fazer o mesmo. Feliz por ter sido seu aluno. Feliz por caminhar contigo nesses descaminhos teológicos. Feliz por sua amizade. Feliz por ler textos como esse. Grande abraço.
Belo texto, Neilton.
Me assusto por saber que há quem queira ainda queimar livros ... e junto, quem os lê! Escutei isso de bocas "cristãs". O que se esperar de quem tem esta mentalidade?
Religiões não são caminhos um pouco diferentes para um mesmo propósito? E a frase do frei Beto sintetiza muito bem isso.
Parabéns!
Excelente texto!
Bjks
Simone Simon Paz
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