quarta-feira, novembro 30, 2011

A METAMORFOSE DEUS

Quem é Deus? O que é Deus? Ou ainda qual a causa Deus? São perguntas absolutamente sem respostas ou que já trazem em si mesmo o gene da sua própria resposta. Assim, todas as perguntas podem ter como respostas uma variedade enorme de possibilidades, todas com suas verdades e mentiras. Primeiro pelas condicionantes teológicas que carregam, ou seja, Deus é quem ou o que? Ele existe ou está fora da esfera da existência? Deus criou tudo ou é produto da criação? O homem é criatura de Deus, (crença no criacionismo) ou o seu criador? (crença na origem social da idéia de Deus) Deus é aquele que controla o universo ou ele se confunde com ele de forma que Deus não pode ser visto separadamente do universo com o qual forma uma espécie de amálgama? (panteísmo)

Estou convencido que a única coisa certa sobre Deus é que não se pode ter certeza nenhuma sobre Deus. Por incrível que pareça, a religião não se baseia em certezas e sim e na esperança, de forma que é possível que as idéias mais contraditórias sobre Deus estejam falando da mesma coisa; de forma que todas essas idéias podem estar absolutamente corretas ou serem totalmente infundadas; isso talvez explique a multiplicidade de sistemas e movimentos religiosos que buscam definir o ser sagrado em sua busca pela espiritualidade, em outras palavras, ao contrario do que se tem afirmado que Deus é imutável, creio que ele na verdade é a maior de todas as metamorfoses. Cheguei a essa conclusão observando a natureza, ela é mutante, esta o tempo todo em movimento. Não se pode encontrar duas formigas exatamente iguais, nem duas flores iguais, cada planta desse planeta é única e todas essas expressões da natureza se modifica o tempo todo ou seja, o universo é dinâmico. O corpo humano além de sua unicidade, esta o tempo todo em transformação, as nossas células morrem e nascem o tempo todo, de forma que nós também somos uma verdadeira metamorfose em movimento. Um Deus que criou um mundo tão dinâmico não pode ser um ser estático, de forma que diferentemente de Thomás de Aquino eu não acredito que Deus seja mesmo um “motor imóvel” ou “puro ato”, sinceramente acho essa idéia de um Deus imutável, estático, absolutamente incompatível com aquilo que se espera do sagrado.

Sei que certas coisas soam estranhas e parecem contradizer o senso comum, mas estou convencido que o que torna Deus um ser especial é a sua capacidade de se renovar, se transformar de forma a alimentar e atender a crenças tão diferentes como as que se manifestam no seio da humanidade e se o sentimento religioso é inerente ao ser humano, então de onde vem as múltiplas imagens de Deus que proliferam no imaginário religioso? Podemos estar todos certos ou quem sabe estejamos todos errados, ou seja, Deus tanto pode ser tudo isso como não ser nada disso, e quem pode com segurança desfazer essa dúvida? Prefiro pensar em Deus assim, mas, para não criar aqui uma imagem inerte de Deus, talvez seja de bom alvitre admitir que Deus pode ser estático em determinadas circunstancias e dinâmico em outras e isso seria mais uma dimensão dessa metamorfose divina.

10 comentários:

Paulo Nascimento disse...

Grande teólogo! Quanto tempo eu não me enveredo pelas trilhas da metafísica.

E se invertêssemos essa equação, dizendo assim: Deus é estático ou "imóvel" (para usar uma expressão da filosofia clássica), e dinâmicas são as lentes que os seres humanos, em diferentes fases da História, usam para falar acerca dele.

Dá no mesmo? Como não confundir as lentes com a coisa? Amigo, Deus existe?

Abraços!

Neilton Azevedo disse...

Olá grande filo-teologo Paulo Nascimento. prazer voltar a dialogar com vc por aqui. Bem sobre a sua provocação eu acho ela pertinente e mais ainda bastante provável. Creio que Deus é uma idéia bastante relativa do ponto de vista de uma possível definição, ou seja podemos dizer que ele seja em tese um conceito multívoco com infindáveis interfáces, ou não. Quem é autoridade para dar a última palavra?

Paulo Nascimento disse...

De minha parte, não tenho certeza se Deus existe. Usando um termo de Pascal, eu sigo "apostando" que ele existe. Acho que o importante é que essa aposta não nos aliene. Se ela melhorar nossa vida, nossa relação com o mundo, mesmo que Deus não exista, valeu a pena apostar!

Caso Deus exista, eu tenho três hipóteses nas quais creio hoje:

1) Ele é imutável, ou imóvel, como diziam os gregos. Eu creio mais na metamorfose do ser humano que na de Deus. Sou um pouquinho aristotélico;

2) A mente humana não pode conhecer a Deus plenamente. Sou um pouquinho agnóstico;

3) Todas as teologias são construções meramente humanas, sendo que em cada período os condicionamentos históricos ajudam a forjar diferentes imagens sobre Deus. Deus mesmo - se existir - permanece diferente de todas essas imagens. Sou um pouquinho foucaultiano;

4) A imagem humana mais perfeita sobre Deus - aquela que melhor serve à convivência humana - nos foi legada por Jesus de Nazaré. Sou um pouquinho cristão.

KKKKKKKK

Só você pra me trazer de volta à metafísica!

Abraços!!!

Neilton Azevedo disse...

Grande Paulo, eu assino embaixo de tudo que você escreveu, embora eu prefira olhar para Deus na Perspectiva de Teilhard Crardin, ou seja ver Deus na perspectiva da mutação, já que ele não pode (ou não deve) ser tão estranho ao universo. A existência de Deus do ponto de vista ontológico não pode ser objeto de verificação, nesse sentido o agnosticismo serve bem para o debate. Tudo que falamos de Deus como diria Thomás de Aquino não passa de analogias, não se refere ao ser enquanto ser.
Sobre as teologias, acredito que o prórpio termo ja traga consigo o germe da impropriedade, já que não se faz Teo-Logia, o que fazemos é na verdade Te-Antropologia, ou seja falamos de Deus a partir de nós mesmos.
Sobre a imagem de Deus, sou meio panteísta, acredito que Deus seja a junção de muitas coisas que se manifestam no universo, e quem sabe, o ser humano pode ser parte disso, ou não.
Sobre a metafísica, acredito que ela nos ajuda a transpor os limites da existencia.

Paulo Nascimento disse...

Bom!

Eu acho que cometi uma contradição. Minha hipótese 1 é incompatível com a minha hipótese 2. Na 1 eu digo que Deus é imutável (imóvel), e na 2 eu digo que Ele é incognoscível à mente humana. Se Deus é incognoscível à mente humana, como posso ter certeza de que ele é imutável? Caí em contradição, e por isso me retrato retirando minha hipótese 1.

Mas acho que a ideia de Chardin de ver Deus na perspectiva da mutação também carrega uma contradição. Afinal, se há mutações e variações em Deus, quer dizer que haverá coisas nele que não haviam antes. Como isso é possível para um ser perfeito? Seres perfeitos não precisam passar por mutações. Não concordas?

Acho que estamos confundindo os óculos com a coisa. Quem muda são os óculos, enquanto a coisa permanece imutável.

Vamos papeando!

Neilton Azevedo disse...

Na mitologia Grega existe a figura do deus marinho Proteu, uma figura metamorfósica que apesar de asumir diversas aparências não precisava mudar a sua essência. Gosto dessa idéia, a de que a metamorfose em Deus não implique necessariamente em mudanças na sua estruturas, se é que se pode dizer que ele tenha uma estrutura fixa. Será que Deus não se caracteriza exatamente pela mobilidade? ou seja, pela dinâmica tão presente no universo? Nietzsche dizia não acreditar em "um deus que não soubesse danças" eu me arriscaria a dizer que não acredito em um Deus incapaz de mudar, não seria isso uma limitação à divindade? o que significaria uma impossibilidade, ou uma negação da onipotência.
Esse negócio me faz lembrar da dúvida escolástica: "Deus pode fazer uma pedra que ele mesmo não consiga carregar?" A bola é sua.

Paulo Nascimento disse...

Olha!

Acho que suas questões estão muito bem colocadas. E eu me inclino a concordar com elas. Mas acho que temos uma consequência complicada aí. Para pensar assim vamos ter que estuprar a lógica silogística. A meu ver, o silogismo deveria ficar assim:

TODO SER PERFEITO NÃO MUDA

DEUS É PERFEITO
__________________________

LOGO, DEUS NÃO MUDA

Pergunto: as duas premissas acima estão corretas? Se estiverem, a conclusão também deve estar.

O que você está propondo é que a primeira premissa seja mudada. Acho que do ponto de vista da lógica fica contraditório, pois um ser que possui todas as perfeições não deve nem precisa mudar. Mudar significa abrir-se para algo que não existia antes. Pense nas coisas tangíveis que mudam: pessoas, objetos, plantas, animais, etc. Ademais, a comparação com os deuses gregos é muito safada (rsrs). Aqueles são assumidamente projeções dos ideais humanos (Feuerbach), possuindo muitas imperfeições inclusive. O Cristianismo nunca admitiu tal coisa.

Mas, por fim, se você argumentar que Deus é maior que a lógica silogística eu fico quieto e digo amém!

O papo está muito bom. Vamos publicar???

Neilton Azevedo disse...

Paulo meu velho, acredito que algumas premissas utilizadas para definir a divindade talvez precisem ser re-pensadas. O fato de afirmar que a perfeição implique em imutabilidade pode não ser de todo verdade, por que Deus não pode mudar? Um Deus que não muda serve bem para atender a uma crença no absolutismo, que ver a mudança como fraqueza. Atualmente tenho pensado na possibilidade de ser a dinâmica, a mudança, a metamorfose mais adequada para entender a divindade. Como disse, penso num tipo de mudança que seja capaz de manter os elementos originais inerentes ao ser. Mudar não para ser outra coisa e sim a mesma coisa com novas características.
Depois de tantos anos pensando Deus a partir da estática, vamos ver o que dá pensar um Deus a partir da dinâmica, da mutabilidade.

Paulo Nascimento disse...

Meu caro amigo!

Você deve se lembrar da discussão entre Parmênides e Heráclito sobre a ontologia do Ser. Parmênides advogava pela imutabilidade do Ser, enquanto Heráclito advogava pela mutação constante: "tudo flui"; "não se entra duas vezes no mesmo rio...". Nessa discussão eu sou declaradamente heraclitiano. Acho que o Ser é constante devir e movimento: metamorfose pura.

Mas uma coisa é a ontologia do Ser, outra coisa é a teontologia. Aqui eu sou mais barthiano que outra coisa. Acho que Deus é alguma coisa "totalmente diferente do mundo". Lutero dizia que "o que se encontra no mundo se oculta de Deus, e o que se oculta do mundo se encontra em Deus".

Minha dificuldade de entender a Deus como um ser mutável baseia-se num impasse lógico, e não teológico. Dizer que Deus é mutável é trazê-lo para o campo da História, onde estão todas as demais criaturas mutáveis. Tenho dificuldades. Acho contraditório de um ponto de vista estritamente lógico.

Mas me aproximo de você quando creio que as "imagens humanas" acerca de Deus são cambiantes, mutáveis, e filhas da História. Assumir isso é rejeitar que as imagens monárquicas sobre Deus deem vez a absolutismos. Por exemplo, a imagem de Deus como "Abba", como ensinou Jesus, não dá vez a nenhum absolutismo, concordas? A imagem de Deus como "mãe terna" também não. A imagem de Deus como "amigo fiel" também não, etc.

Há muitas imagens humanas sobre Deus que são ótimas para influenciar as relações sociais. Mas creio que elas permanecem sendo "imagens humanas", só isso. Deus mesmo, ninguém sabe o que é nem como é.

Abraços!

Neilton Azevedo disse...

Velho amigo Paulo.
Veja bem, acredito que estamos falando mais ou menos a mesma coisa apenas com prismas diferentes. Precebo que a medida que a conversa flui a distancia vai ficando menor. Gostei de idéia trazida por você sobre o conceito do ser a partir da "mutação constante, do "tudo flui" e wm especial da sua opinião de que o ver o Ser como "constante devir e movimento: metamorfose pura". Acho que aqui quase chegamos a um consenso. A sua resistência a aceitar uma possível mutabilidade em Deus se justifica pelo fato de encaramos a mutabilidade como perda de características para adquirir outras até então inexistênte. Acredito que isso se aplica à realidade material, aos seres, não tendo que necessariamente ser verdade em relaçao ao Ser Sagrado. Aquela velha história de ser Jesus o Homem-Deus, que "se torna Homem" sem deixar de ser Deus, divino e humano numa única existência. isso é possível? Se não aceitarmos a mutabilidade em Deus, então estamos sepultando de vez a crença na encarnação (não que isso para mim faça muita diferença)
Por outro lado, é bem verdade que algumas imagens extraidas do texto bíblico não tragam em si elementos absolutistas, tais como Deus como Pai, Mae, Amigo, etc. O problema é que tais imagens não se referem a "quem" Deus é e sim a possíveis formas relacionais, a imagem não parte de Deus parte do homem que vê Deus assim, embora todas as outras imagens tambem sofram da mesma limitação. Acredito que estamos aqui diante da velha divisão dos atributos de Deus sedimentado pela Teologia Sistemática: Atributos Naturais da divindade e Atributos Morais, os primeiro tem a ver com o Ser de Deus, os segundos se referem a sua forma de manifestação.(Embora eu não faça esta distinção)
Agora acredito que você matou a charada quando diz que "Deus mesmo, ninguém sabe o que é nem como é". Concordo ipsis literis com você a acrescento que além de não saber "como é" ninguém sabe "se ele é" ou seja estamos todos num limbo teológico para o qual não há saida. vamos conversando.