sexta-feira, junho 03, 2011

O PROBLEMA DO MAL (PARTE 4)

O MAL NA FILOSOFIA GREGA

O poeta grego Hesíodo (século VIII a.c.) diz em algumas famosas linhas de seus dois principais poemas, a Teogonia (II. 570-612), e Trabalhos e Dias (II. 53-104 Em ambas passagens a criação de Pandora é o resultado do desejo de Zeus de punir a humanidade porque esta tinha se beneficiado através dos truques que Prometeu, o benfeitor divino dos seres humanos, tinha pregado em Zeus. Na verdade, quando foi feito o primeiro sacrifício aos deuses, Prometeu enganou Zeus e fez com que ele aceitasse a porção inferior dos sacrifícios dos animais (ossos cobertos de gordura), e reservou as partes comestíveis (a carne) para o consumo humano. Zeus então se vinga privando os seres humanos do fogo. Prometeu então engana Zeus novamente ao roubar o fogo do céu e dá-lo mais uma vez aos mortais. A posse do fogo é equivalente a todos os seus benefícios culturais: a habilidade de cozinhar a comida, fazer armas e ferramentas, etc. Para equilibrar o presente proibido que Prometeu dera aos homens, Zeus finalmente decide dar aos homens seu próprio presente, um presente do mal, que tem como intenção destruir o bem que Prometeu tinha dado aos homens. Pandora, a primeira mulher no cosmos grego antigo, é o presente do mal que Zeus mandou ao mundo:

“...e então [Prometeu] feriu profundamente o coração de Zeus, o alto senhor do trovão, que ficou furioso quando ele viu ao longe a luz do fogo entre os homens, e imediatamente ele lhes deu um problema para que pagassem pelo fogo.

O famoso Deus Pacífico misturou argila e lhe deu a forma de uma virgem tímida, exatamente como Zeus queria,

E Athena, a deusa de olhos de coruja, a vestiu em roupas prateadas

E com suas próprias mãos lhe colocou um véu na cabeça,

Uma coisa complexa, bonita de se olhar.

Ele [Zeus] fez este lindo mal para equilibrar o bem,

Então ele a levou aos outros deuses e aos homens ...

Eles ficaram boquiabertos,

deuses imortais e homens mortais, quando eles viram

A arte de seduzir, irresistível aos homens.

Da sua raça vem a raça das mulheres fêmeas,

Esta raça mortífica e população de mulheres,

Uma grande infestação entre os homens mortais,

Que viviam com riqueza e sem pobreza.

Acontece o mesmo com as abelhas nas suas colméias

Alimentando os zangões, conspiradores maus.

As abelhas trabalham todo dia até o por do sol,

Ocupadas o dia inteiro fazendo pálidos favos,

Enquanto os zangões ficam dentro [da colméia] nos favos vazios,

Enchendo o estômago com o trabalho dos outros.

Foi assim como Zeus, o alto senhor do trovão,

Fez as mulheres como uma maldição para os homens mortais,

Conspiradoras do mal. E ele juntou outro mal

Para contrabalançar o bem. Qualquer um que escape ao casamento

E à maldade das mulheres, chega à velhice

Sem um filho que o mantenha. Ele não precisa de nada

Enquanto viver, mas quando ele morre, parentes distantes

Dividem seus bens. Por outro lado, quem se casa

Como é mandado, e tem uma boa esposa, compatível,

Tem uma vida equilibrada entre o mal e o bem,

Uma luta constante. Mas se ele se casa com uma mulher abusiva

Ele vive com dores no seu coração o tempo todo,

Dores no espírito e na mente, o mal incurável.”[1]

Pandora não é nada além do trabalho, e as mulheres personificam o mal porque elas são uma carga a mais para os homens. As mulheres (entende-se através poema), as mulheres livres, assim como os zangões, não trabalham, e somente consomem a renda do trabalho dos seus homens. Na visão de mundo da sociedade grega mais antiga, o trabalho não era uma maneira aceitável de ganhar-se a vida; na verdade, o trabalho era considerado uma dor, porque houve um tempo – a Idade Dourada – quando a terra espontaneamente provia os seres humanos de toda a comida que eles necessitavam, e assim eles não tinham necessidade de trabalhar, não tinham que labutar e sofrer:

“...os deuses nunca ensinaram

Como os humanos poderiam ganhar a vida. Ou Você fazia o suficiente em um dia para seu sustento por um ano sem trabalho.

Você podia dependurar seu arado na fumaça, e todo o trabalho do campo era feito pelos bois...

Mas Zeus ficou verde de raiva e foi e escondeu a madeira de ganhar a vida [sem trabalho duro] tudo porque aquele esperto Prometeu

o enganou, por isto Zeus fez a vida dos seres humanos difícil.

Ele escondeu o fogo. Mas aquele fino filho de lapetos [Prometeu] o roubou bem diante do nariz de Zeus...

E Zeus, trovejando ... ficou enraivecido e disse: “filho de ‘lapetos...

Eu aposto que você está contente por ter roubado o fogo e me enganado.

Mas as coisas vão ficar difíceis para você e para os humanos

Depois disto.

Eu vou dar-lhes o Mal em troca do fogo

Um Mal para eles amarem e abraçarem”[2]

E este Mal “para amar e abraçar” é Pandora. Forçados a trabalhar, enquanto as mulheres não podem trabalhar, os homens vão ter que lidar com a vida dura, e serão responsáveis pelo próprio sustento, assim como o sustento das suas esposas e famílias. E, justamente como Zeus quer, não há maneira de escapar-se deste mal:

  • se um homem tenta escapar das mulheres e do casamento para não ser forçado ao trabalho duro e ao sofrimento, ele está destinado a uma velhice triste e solitária, sem ninguém para tomar conta dele;
  • se um homem se casa e ele tem sorte de ter uma boa mulher, de qualquer maneira ele vai ter o bem o o mal juntos para sempre, porque a mulher, em si, independentemente do seu caráter individual, é má porque ela “come” a renda do marido;
  • se um homem se casa e ele tem a má sorte de ter uma mulher que também tem uma atitude individual ruim, para ele não há maneira de escapar de todo tipo de tristeza e mal.

Este texto espelha como a mulher é vista, e qual o antigo conceito do mal era: todas as mulheres são iguais por causa da sua natureza (desde o nascimento); portanto, a mulher é o mal na humanidade. Isto também inevitavelmente descortina os pensamentos que estão na base da estrutura social: o mundo grego antigo é uma sociedade patriarcal na qual o componente feminino não pode ser visto de outra maneira que não seja como uma fonte potencial de caos em um mundo previamente somente feito por homens.

Por ser ela a responsável pela entrada do mal no mundo, Pandora é freqüentemente comparada a Eva, que também foi criada depois do homem e é a responsável pelos seus problemas, a sua perda do Paraíso. Na outra versão do mito de Pandora que Hesíodo oferece em Trabalhos e Dias, há um ato de Pandora que parece dar um paralelo à doutrina do pecado original, e conseqüentemente ao conceito de Eva. Depois de descrever como Zeus ordenou aos vários deuses e deusas que manufaturassem o “adorável mal”, e lhe dessem específicas qualidades para que ela fosse uma criatura de beleza irresistível, o poeta conta então como Zeus, através de Hermes – o deus mensageiro – mandou Pandora à Terra, e comenta sobre os efeitos dela com estas palavras:

“...Antes [da chegada de Pandora] a raça humana

Tinha vivido da terra sem problema, sem trabalho

Sem doença e sem dor...

Mas a mulher tirou a tampa da jarra com suas próprias mãos

E espalhou todas as misérias que significam tristeza para os homens.

Apenas a Esperança foi deixada no jarro inquebrável,

Grudada embaixo da tampa, e não pôde voar:

A mulher fechou a tampa do jarro,

E pelo plano do dono de tudo, o que pastoreia nuvens, Zeus,

Já naquele momento milhares ou mais de outros horrores se espalhavam entre os homens,

A terra está cheia de coisas más, e o mesmo acontece com o mar” [3]


[1] Hesíodo, Teogonia 567-612. Tradução de S. Lombardo. Pandora, o mal em forma de beleza: o nascimento do Mal no mundo grego antigo, texto disponível em http://www.espacoacademico.com.br/052/52elauriola.htm

2 Hesíodo, Trabalhos e Dias 43-58. Tradução de S. Lombardo, Pandora, o mal em forma de beleza: o nascimento do Mal no mundo grego antigo, texto disponível em http://www.espacoacademico.com.br/052/52elauriola.htm

[3] Hesíodo, Trabalhos e Dias 90-101. Tradução de S. Lombardo, Pandora, o mal em forma de beleza: o nascimento do Mal no mundo grego antigo, texto disponível em http://www.espacoacademico.com.br/052/52elauriola.htm

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